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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Consumo, logo existo

Por Roberta de Medeiros

O psiquiatra alemão Emil Kraepelin (1856-1926) e o suíço Eugen Bleuer (1857-1939) foram os primeiros escrever sobre o comprar compulsivo (ou oniomania), no início do século 20. Para os pesquisadores, a dificuldade de controlar o impulso é o elemento essencial para compreender o quadro.

Eles observaram que algumas mulheres eram compradoras descontroladas em busca de excitação, comportamento semelhante ao dos jogadores patológicos. O tema caiu no anonimato nos anos seguintes e foi retomado na década de 90. O transtorno, porém, ainda não é considerado uma doença pela Organização Mundial da Saúde.

Segundo a psicóloga Tatiana Filomensky, do Ambulatório dos Transtornos do Impulso do Hospital das Clínicas, a pessoa que sofre da compulsão experimenta uma forte ansiedade que só é aliviada quando faz a compra.

“Ela não consegue controlar um desejo intrusivo, indesejável e repetitivo. O ato é seguido por um intenso sentimento de alívio”, descreve a psicóloga. Diante da impossibilidade de comprar, podem aparecer sintomas físicos, como sudorese, taquicardia, tremor e sensação de desmaio –e sintomas psicológicos, como irritação.

Depois de adquirir a nova mercadoria, surge a sensação de remorso e decepção diante da incapacidade de controlar o impulso. Numa atitude compensatória, o mal-estar gerado pela culpa levará o compulsivo a comprar novamente, dando continuidade ao círculo vicioso.

“Numa sociedade que estimula o máximo consumo e a satisfação do prazer imediato, a compulsão por compras não é notada tão prontamente pelos familiares, diferente do que ocorre diante de outras dependências, como o abuso de drogas”, lembra a terapeuta. Por isso, quem sofre do transtorno leva muitos anos para reconhecer o caráter patológico do seu comportamento.

Mas quando isso acontece, a pessoa sente vergonha por não vencer a batalha contra o desejo, assim, o transtorno é mantido em segredo.“A pessoa que sofre da doença por muitos anos e descobre que há algo errado, é capaz de perceber que seu comportamento não é saudável e se sente fraca diante do seu impulso. Por isso, ela mente e transforma o ato de comprar numa atividade solitária”, explica.

Ao contrário do que se pode supor, a avaliação não é feita com base na quantidade de dinheiro gasto, mas no estrago que o problema pode causar à vida da pessoa, já que ela passa a negligenciar as atividades sociais importantes, como trabalho, família e amigos, afirma a psicóloga Juliana Bizeto, coordenadora do Ambulatório de Dependências Não-Químicas, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

“O gasto excessivo por si só não é evidência para diagnóstico. O que deve ser considerado é a relação do paciente com a compra. Para o compulsivo, o único prazer é comprar, ele não pretende usufruir. É um comportamento vazio. Nesse caso, há uma restrição do prazer, um empobrecimento social e uma queda da qualidade de vida, já que a pessoa se torna apática diante de outros estímulos”, explica.

Em sua tese de doutorado, a especialista investiga os fatores de risco que estão envolvidos com o surgimento de dependências não-químicas. A partir de uma pesquisa realizada com pacientes compulsivos atendidos pelo Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes), da Unifesp, ela observou que a principal delas é a falta de inserção social.

“A pessoa que não está inserida em um grupo social, como no trabalho, na família ou na igreja tem maior possibilidade de desenvolver algum tipo de dependência, seja por compras, jogos, sexo e Internet”, observa.

94% dos compradores compulsivos são mulheres, como mostra o artigo entitulado “Compulsive Buying. Demography, Phenomenology and comorbidity in 46 subjetcs”, publicado pelo periódico Gen Hosp Psychiatry, em 1994. Juliana ressalta, porém, que a presença do transtorno na população masculina pode estar subestimado.

“Não sabemos se as mulheres são realmente as maiores vítimas ou se são elas que mais freqüentemente procuram o serviço de saúde. Às vezes, a gravidade do quadro é ainda mais acentuada nos homens, porque eles demoram mais tempo para buscar tratamento e, quando isso acontece, chegam ao ambulatório mais comprometidos”, ressalta.
A psicóloga Júnia Cicivizzo Ferreira, da Unifesp, observa que nem sempre esse comportamento se repete durante o ano todo. A pessoa também pode ter “orgias" de compras ocasionais em algumas situações, como aniversários e férias. A terapeuta, observa, porém, que o gasto episódico não é suficiente para confirmar um diagnóstico.

“Há de se diferenciar a compra por hábito de consumo ou impulso e comprar por compulsão. No primeiro caso, o comprador se sente atraído pelo produto de alguma forma, e no segundo caso, existe o descontrole da situação, o compulsivo acaba comprando pelo simples fato de comprar”, compara.
Publicado na revista Mente & Cérebro

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