Total de visualizações de página

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Um mal silencioso

Por Roberta de Medeiros

A doença de Alzheimer traz consigo uma série de perguntas. A sua origem permanece como um campo obscuro e não ha exames que comprovem a doença com precisão. O que alguns neurologistas da USP (Universidade de São Paulo)  pretendem é lançar um pouco de luz sobre a questão.

Após dez anos de pesquisa, o grupo acredita ter identificado a primeira região cerebral a apresentar uma das lesões mais características da doença, os chamados emaranhados neurofibrilares - alterações nos prolongamentos que servem de linhas de comunicação dos neurônios.

A doença começa no tronco cerebral, numa área chamada núcleo dorsal da rafe, e não no córtex, que é o centro do processamento de informações e armazenamento da memória, como se acreditava.

O tronco cerebral é uma importante estrutura do sistema nervoso, que controla funções involuntárias cruciais para a sobrevivência, como respiração, pressão sanguínea e sono. A idéia é defendida por brasileiros em parceria com alemães. Seus achados foram publicados na revista científica “Neuropathology and Applied Neurobiology”.

O achado foi possível graças à autopsia do cérebro de 118 pessoas, que tinham idade média de 75 anos no momento da morte. Os pesquisadores constataram a existência de lesões no núcleo dorsal da rafe em idosos que não apresentavam emaranhados em nenhuma outra parte do cérebro e em todos os 80 indivíduos que já tinham ao menos um emaranhado no córtex. 

Verificamos se haviam alterações típicas do Alzheimer sem saber o resultado da pesquisa de alterações da doença no córtex. Com os resultados, cruzamos os dados e verificamos que 100% dos casos com alterações no córtex também tinham alteração na rafe. Enquanto isso, 22% dos casos sem alteração no córtex, tinham alteração na rafe”, explica uma das autoras do estudo, a patologista Lea Grinberg, coordenadora do Banco de Encéfalos Humanos da Faculdade de Medicina da USP e professora visitante do Laboratório de Morfologia Cerebral da Clinica de Psiquiatria da Universidade de Wuezburg, na Alemanha, em entrevista a Psique.

De acordo com a pesquisadora, a tese de que a doença tem origem no tronco cerebral e se espalha para do córtex é importante na busca de terapias para frear o desenvolvimento da doença em seu estágio inicial.

O foco de pesquisas para realização de diagnóstico precoce e proteção dos neurônios contra a doença deverá ser o núcleo dorsal na rafe, não o córtex. O objetivo é parar ou diminuir a progressão da doença o mais cedo possível”, diz Lea.

O que o seu grupo de pesquisa pretende é conseguir um diagnóstico precoce como é feito atualmente em relação à Aids. “É um desafio desenvolver marcadores precoces para diagnóstico da doença, que sejam no sangue, liquor ou por exames de imagem. Como paralelo, vamos usar a Aids. O vírus do HIV pode ser detectado anos antes da manifestação da doença. É isso o que se almeja com a doença de Alzheimer”, afirma.

Os avanços, entretanto, dependem da confirmação da descoberta. “Qualquer descoberta pressupõe a necessidade de que outros grupos corroborem com o resultado. Esse é o primeiro passo. A partir daí, surgirão teorias. Por exemplo, a de que o controle de serotonina do sistema nervoso central pode ser afetado logo no inicio. Poderíamos, assim, propor uma modulação desse neurotransmissor para tratar a doença”, explica o neurologista Ricardo Nitrini, professor do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do Centro de Referência em Estudos Cognitivos do Hospital das Clínicas.

“Para onde essa descoberta vai nos levar e ainda bastante precoce dizer. Futuramente, seria possível compreender o que essa descoberta poderia trazer de benefício, sabendo como os sintomas podem ser apresentados e que tipo de intervenção seria necessária. O que temos ate agora e mais um tijolo no conhecimento da doença”, acrescenta.

Até então,a medicina postulava que os emaranhados que surgiam no tronco cerebral apareciam depois, e não antes, de regiões do córtex terem sido afetados por essas alterações típicas da demência. “Até então, ninguém pôde demonstrar quando esse núcleo é afetado cronologicamente no Alzheimer. Esse trabalho só pode ser feito por causa das características únicas do Banco de Encéfalos Humanos do Grupo de Estudos em Envelhecimento Cerebral.

Ninguém no resto do mundo tem casos controles como nós. Isso ocorre porque cada vez há menos autopsias no mundo. Por sorte, temos um serviço de verificação de mortes da capital, que tem excelente estrutura de funcionamento. Não posso deixar de agradecer as famílias que doaram os cérebros. Cerca de 90% das famílias abordadas concordaram com a doação para pesquisa. Só assim podemos avançar com o conhecimento”, comemora.  

Publicado na revista Psique.

Nenhum comentário:

Postar um comentário