Por Roberta de Medeiros
Os sons podem acalmar ou gerar pânico. Podem causar sonolência ou despertar paixões. Ou ainda nos deixar tensos ou enlevados. Enfim, são capazes de detonar uma cascata de reações que alteram o estado geral do organismo. É o caso do som perturbador de uma sirene, que nos põe em alerta, e faz com que o corpo libere adrenalina para se proteger de uma possível ameaça.
A terapia através da música – a musicoterapia – se baseia justamente nesse princípio: os sons produzem efeitos biológicos que podem tratar doenças, sejam elas físicas ou mentais. O uso de instrumentos, cantos e ruídos são recursos que têm sido usados com deficientes físicos, estudantes com dificuldade de aprendizagem, fala ou audição e usuários de drogas.
Não é crendice. A ciência mapeou o caminho que o som faz em nosso organismo: primeiro os sons alcançam os ouvidos e a seguir são convertidos em impulsos. Então, eles viajam pelos nervos auditivos até o tálamo, parte do cérebro que funciona como uma estação central das emoções. Ao serem processados pelo cérebro, os impulsos reverberam por todo o corpo.
O resultado: uma série de respostas orgânicas. É como se nosso corpo adotasse uma cadência diferente. Claro, essa súbita mudança acaba por alterar padrões internos (sono e vigília, respiração, batimentos cardíacos, circulação sanguínea e secreções das glândulas). O que a terapia faz, portanto, é ensinar o corpo a “orquestrar” melhor a sinfonia interna que cada um de nós carrega.
-Afinando o instrumento
“Viver é afinar um instrumento, de dentro para fora, de fora para dentro”. O trecho da música nos faz pensar que nossas emoções também soam a partir de pulsações rítmicas. Cada pessoa tem sua melodia, sua harmonia. Quando uma emoção rouba a cena, porém, dá-se o desarranjo. No caso, a terapia funciona como aqueles aparelhinhos que os musicistas trazem consigo para afinar o instrumento sempre que necessário.
“Há momentos em que as palavras não podem ser ditas ou nem se consegue mais dizê-las, então as canções falam a respeito dos sentimentos e vivências para eles mesmos (pacientes). Isso ajuda a processar perdas e aflições reprimidas”, diz a musicoterapeuta Sofia Cristina Dreher, que há cinco anos trabalha no atendimento de pacientes com câncer.
Em sua tese de mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC do Paraná, a pesquisadora e terapeuta defende que as canções são instrumento eficaz para trazer à tona sentimentos e impressões que evitamos trazer à consciência, que ficam bloqueados, mas que interferem decisivamente em nosso estado de espírito – são os sentimentos reprimidos.
A partir de uma experiência tocante, ela narra o caso de uma paciente com câncer de pulmão internada no hospital São Lucas. “A paciente disse que não estava encontrando lugar para chorar em sua casa, que apenas o conseguia fazer, à noite, em seu quarto”, conta. A terapeuta, então, cochichou com ela, que fariam daquele lugar e daquele momento, um local para chorar, porque o choro faz bem.
Atualmente, a especialista trabalha no Oncocentro e atende cerca de 50 pacientes por mês. A duração da terapia varia, muitos morrem, alguns recebem tratamento por cerca de seis meses e outros lutam ao longo de anos. “Em geral, a primeira necessidade do paciente é falar, cantar algo que os leve daquele lugar, daquela situação”, conta ao lembrar sua experiência com pacientes durante as sessões de quimioterapia.
Ela observa, porém, que os profissionais de saúde têm dificuldade em oferecer respaldo à dor emocional dos pacientes. “Esses profissionais não são preparados para lidar com a dor emocional, e sim, com a dor física. Por vezes, os pacientes sentem uma angústia muito grande por não serem compreendidos na sua dor, uma vez que ela não se divide em dor física e emocional”, diz.
Publicado na revista Fato
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