Por Roberta de Medeiros
No livro “A Era do Vazio”, o filósofo francês Gilles Lipovetsky, 62 anos, retrata as mudanças de valores ocorridos na transição do milênio e que levaram à morte do ético, que dá lugar ao estético. Falamos de uma troca do interno pelo externo, do invisível, pelo visível. As pessoas passam a se oferecer ao deleite e desfrute da cultura como se fosse uma mercadoria que se vende pela embalagem em prateleira de supermercado.
Se no passado, nossas paixões eram de alguma maneira freadas pela razão, que decidia pela satisfação ou não dos desejos, hoje essas paixões são guiadas pelas leis do mercado. As necessidades (ou seriam caprichos?) não partem mais das pessoas, já que elas mesmas se vêm na condição de objetos à espera de aceitação num mercado altamente competitivo. As paixões estão, assim, fora do seu controle, elas são dirigidas por modismos.
Assistimos à explosão do consumo, temos um mercado forte e diversificado que se renova a todo instante para atender a um indivíduo hedonista, sempre preocupado em satisfazer o seu desejo imediato. Sequer paramos para pensar, mas tudo em nossas vidas passa pela lógica do “eu tenho”. A relação do homem contemporâneo com o mundo é de posse, em que quero tudo e todos (e inclusive eu mesmo!) sejam de minha propriedade.
Nesse contexto, somos educados para ser consumidores vorazes. Muitas vezes a ausência dos pais é compensada por presentes e brinquedos. Mas será que compensar a ausência de pai e mãe por brinquedos e presentes apazigua as incertezas de crianças? Como, afinal, preparar jovens para que eles possam encontrar um sentido para a vida que não seja somente o de ir à Daslu comprar roupas de grife? Sabemos que o luxo é gastar uma soma considerável somente para ter sensações... Enfim, compramos emoções! Como nos posicionarmos diante de tais tendências?
Quem responde essas questões é o psicólogo Luiz Gonzaga Leite, coordenado do Departamento de Psicologia do Hospital Santa Paula e professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica). Segundo ele, “os próprios pais são responsáveis por boa parte dos problemas, uma vez que costumam incentivar seus bebês a sentar, andar e falar antes do tempo, numa tentativa de compensar suas próprias frustrações”. Dessa forma, as crianças crescem antes do tempo e, por isso, ficam sujeitas a novas necessidades de consumo.
“Outra atitude a ser repensada é o fato de alguns pais, principalmente aqueles que passaram por dificuldades financeiras na infância, tentarem poupar seus filhos a todo custo de privações, o que certamente resultará em crianças (e, futuramente, adultos) sem limites e incapazes de suportar frustrações”, diz o psicólogo.
Para ele, o maior erro dos pais é não impor limites - embora sejamos obrigados a reconhecer que isso não é tão simples. “Não adianta puxar pelas orelhas. Cada coisa ao seu tempo. Na sociedade pré-globalização até funcionava, mas hoje em dia está cada vez mais difícil (e quem tem filho sabe disso) segurar a ansiedade das crianças e sua vontade de crescer antes do tempo”, comenta.
Para marcar as etapas do desenvolvimento, ele aconselha que os pais retomem os ritos de passagem que, com o passar o tempo, acabam caindo em desuso. “É muito válido comemorar a entrada na adolescência com uma festa de 15 anos ou ainda um bar-mitzvá [entre os judeus, a cerimônia de iniciação dos meninos ao mundo adulto, aos 13 anos]”, diz.
“Como as etapas estão sendo queimadas e os pré-adolescentes estão sendo muito expostos a estímulos exagerados, tanto da mídia como dos grupos de convivência, essas comemorações são como um contraponto, estimulando o equilíbrio entre a maturação fisiológica e o amadurecimento emocional”, completa.
Publicado na revista Fato
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