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sábado, 12 de março de 2011

Falando sobre a morte


Por Roberta de Medeiros


A psicologia durante algum tempo negligenciou a questão da morte, provavelmente porque o tema era pouco e empírico e não condizente com o behaviorismo. O assunto, no entanto, começou a se impor de forma que os psicólogos não pudessem mais permanecer indiferentes diante do tema.

Há quem defenda que o medo da morte está na origem de muitos sintomas e doenças psíquicas, insônias, depressão, doenças psicossomáticas e obsessões. Para muitos autores, a maior parte do comportamento humano pode ser considerado como resposta ao medo de não existir. Muitos consideram que se trata de uma ansiedade básica e que qualquer medo simboliza, no fundo, o medo da destruição.

Hoje a morte se transformou num show explorado pela mídia. Paradoxalmente, no âmbito individual ela permanece como um tabu.

"Acaba se vendo muita morte na TV, mas de pessoas desconhecidas e de grandes desastres, uma morte espetacular. O que continua difícil é a falar da morte pessoal, daquela que nos atinge, de nossos entes queridos, ou de nossa própria morte", afirma a psicóloga Maria Júlia Kovács, professora do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo).

Não poderia ser diferente em um mundo regido pela aparência, pelo individualismo e especialmente sustentado pelo culto ao belo, ao novo e ao saudável.

Mas nem sempre foi assim. O homem medieval, por exemplo, encarava a morte com naturalidade, já que o mundo dos vivos estava conectado ao mundo dos mortos através dos mosteiros. A sociedade começou a escamotear a morte a partir do século 19, quando a “morte de Deus” e a ciência se separou do sobrenatural.

Foi quando ocidente o cristão passou a rejeitar e ignorar a morte, dando espaço para o luto angustiante. A crise é resultado do  processo de industrialização, no qual o homem passa a ser visto meramente como gerador de lucros, levando à morte a conotação de ser o cessar da vida produtiva do sujeito.

À medida que a interdição em torno do sexo foi relaxando, a morte foi se tornando um tema proibido. “Isso possivelmente tem a ver com a mentalidade da morte como tema interdito, por acreditar que falar de morte é mórbido e que pode causar mais sofrimento”, pontua Maria Júlia.

Para  o médico e psicanalista Roosevelt Cassorla, professor da Unicamp (Universidade de Campinas), um dos maiores especialistas em tanatologia do país e autor de “Da Morte: Estudos Brasileiros” e  “Do Suicídio: Estudos Brasileiros”, isso é resultado dos valores pós-modernos.

“A morte possivelmente foi se tornando um tema proibido por fatores relacionados a mudanças sociais e culturais. Como por exemplo, o declínio da importância das religiões, a busca do prazer com menos culpa, até a busca do prazer em si mesmo com a dificuldade de aceitar as limitações e frustrações da vida, a substituição da reflexão pelo imediatismo, a superficialidade das relações humanas”, analisa.  

“Tudo isso tem sido relacionado ao que se chama de pós-modernismo. Outro fator que contribui para a negação da morte é a esperança nas ciências, principalmente a medicina, num prolongamento da vida, talvez para sempre. Essa negação, evidentemente, indica defesas maníacas como forma de fugir da realidade.

Defesas maníacas é o nome que se dá a um conjunto de mecanismos que o indivíduo utiliza para fugir do contato com realidade frustrante ou assustadora. Entre os mecanismos utilizados está a negação ["isto não existe"], o desprezo pela realidade ["isso não tem importância"] e o triunfo sobre ela ["eu derroto a realidade"]”, acrescenta.  

 Desde que o homem passou a ter recursos para controle de doenças, ele passou a viver na ilusão de que poderia ter controle sobre a vida e a morte. Trata-se de um pensamento mágico do homem pós-moderno. Para Cassorla, esse pensamento se configura como uma negação psicológica e não racional.

“A morte está aí, o que se nega é sua importância, que ela faz parte da vida e que nos espreita o tempo todo. É uma negação psicológica, não racional. A própria violência do dia-a-dia se torna banal, assim como a vida e a morte. Em outras palavras, se a própria vida perde o valor, a morte passa a ser desconsiderada”, pondera.  

A psicanálise postula que a luta entre a vida e a morte estaria por traz da maior parte do comportamento humano, conforme lembra Cassorla. A psicanalista inglesa Melanie Klein (1882-1960) diz que a existência de um instinto de morte supõe também uma reação a esse instinto sob a forma de medo de aniquilamento da vida.

Assim, o perigo resultante do instinto de morte é a primeira causa de ansiedade. Como a luta entre os instintos de vida e de morte persiste ao longo da vida, essa fonte de ansiedade nunca é eliminada.

"Em teorias psicanalíticas diz-se que a pulsão de vida une, liga, aumenta a complexidade, tanto biologicamente como psicologicamente e a pulsão de morte desune, rompe, bloqueia, em busca do inorgânico. Para algumas escolas psicanalíticas a ansiedade básica é de aniquilamento, de não ser, de não existir, e as demais formas de ansiedade derivariam dela”, observa Cassorla.

- Fantasia de vida eterna

Assistimos à contínua racionalização da vida urbana na tentativa de impedir o inesperado, ou seja, vivemos numa fantasia coletiva da vida eterna. O caráter imaterial da morte ganha novo status na cultura ocidental – o padrão dominante do mercado altera-na simbolicamente.

O sepultamento é afastado da esfera familiar e passa a ganhar uma esfera profissionalizada e empresarial. O ambiente natural da morte, junto à família, é substituído por ambientes tecnificados das UTIs compondo o processo de desnaturalização da morte.

Ela ocorre num ambiente dominado pela lógica organicista e racionalista dos médicos, sustentados por um aparato tecnológico que visa lutar contra todos os males físicos, e que muitas vezes transformam o ser humano em meros objetos.

Nesses ambientes, o psicólogo passa a ter um papel importante no sentido de humanização da morte. O acolhimento do paciente depende da forma como esse profissional elabora a morte.

Mas qual o sentido apreendido pelo psicólogo acerca da morte no ambiente hospitalar? O tema foi analisado pela psicóloga Marta Klumb Oliveira Rabelo, consultora técnica do Programa Saúde na Escola do MEC, em sua tese de mestrado defendida pela Universidade Católica de Brasília.

O estudo mostra que morrer em hospitais passa a ser, muitas vezes, um fato mecânico, apesar do sofrimento que acompanha a dor e a morte. “Abre-se um campo de trabalho para a psicologia nos hospitais. No entanto, por ser esse espaço regido pelo paradigma biomédico, a presença dos psicólogos é ainda bastante reduzida e se tem pouco conhecimento sobre o modo que lidam com a morte cotidianamente”, pondera.


10 maneiras de ajudar a criança no enfrentamento da perda e do luto:

1- encorajar a criança a expressar seus sentimentos;
2-responder as perguntas de forma verdadeira e expressar suas emoções honestamente
3-discutir a morte de forma que a criança possa entender;
4-falar com a criança de acordo com seu nível de desenvolvimento
5-ser paciente, permitir que a criança repita a mesma pergunta, expondo sua confusão e medo
6-não criar expectativas
7-sugerir caminhos para que a criança possa lembrar da pessoa
8-aceitar os sentimentos, percepções e reações da criança, bem como a diferenças de opiniões, duvidas e questões
9-indicar serviços especializados, se for necessário
10-preparar a criança para continuar sua vida. Assegurar que ela se sentira melhor depois de um tempo (lembrando que esse tempo e diferente para cada um).

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