Por Roberta de Medeiros
Uma pesquisa investigou a ligação entre o estado de transe dos espíritas o transtorno de personalidade múltipla, distúrbio que se caracteriza pela presença de duas ou mais identidades distintas que repetidamente tomam controle do comportamento, acompanhadas por uma incapacidade de lembrar de informações pessoais importantes.
O problema poderia explicar o que ocorre com o médium? O psiquiatra Mário Rodrigues Louzã, do Departamento de Psiquiatria da USP, investigou a questão. O seu estudo abrangeu 72 médiuns de São Paulo submetidos a questões sinalizam a presença da personalidade múltipla (DDIS). O estudo foi apresentado no Congresso da Associação de Psiquiatria Norte-Americana em San Diego.
Os voluntários responderam perguntas como: Você já sentiu que existe uma outra pessoa dentro de você? Essa pessoa já tomou o controle do seu corpo? Há momentos em que você se sente irreal, como num sonho? Já ouviu vozes conversando dentro da sua cabeça? A conclusão do estudo: “As experiências dos médiuns não tem nenhuma relação com aquelas que constam do questionário que identifica personalidade múltipla”, concluiu o psiquiatra.
Os resultados demonstraram uma forte presença do comportamento dissociativo relacionado a experiências religiosas. Num período de 30 dias, foi observada uma média de 4,6 casos de incorporação; 2,9 de escutar espíritos e 2,8 de recebimento de mensagens espirituais.
No entanto, não foi constatada uma relação patológica da dissociação com religião. A pesquisa ainda demonstrou bom controle social do fenômeno. Apenas 4 das 62 respostas alegaram história de abuso sexual na infância, o que demonstra que comportamentos dissociativos podem estar presentes em uma população bem adaptada.
Segundo o psiquiatra, não há evidências de que dissociação surja como mecanismo de defesa ou de que seja decorrente de traumas psicológicos. Ao contrário, Louzã lembra que as reações dos médiuns são aprendidas.
- Experiência sobrenatural é comum
Experiências sobrenaturais são bem mais corriqueiras do que se imagina.
Uma investigação feita na Grã-Bretanha no século 19 entrevistou 15 pessoas que responderam as seguintes perguntas: “Você já teve, quando completamente desperto, uma vivida impressão de ver e ser tocado por um ser vivo ou objeto inanimado, ou de ouvir uma voz, cuja impressão não foi devida a qualquer causa física externa?”.
Um total de 1684 respostas foram positivas, muitas delas eram de mulheres e jovens adultos. O tipo de alucinação mais freqüente foi a visual. Outro estudo mostrou que 10% dos homens a 15% das mulheres apresentam alucinações ao longo da vida.
Há diversas pesquisas do gênero com universitários. Uma delas Uma delas envolveu 375 estudantes, 39% deles relataram apresentar sonorização do pensamento. Numa outra amostra de 586 entrevistados, entre 30% a 40% já ouviram vozes, sendo que em quase metade dos casos essa experiência era vivida uma vez por mês.
A maioria das pessoas vê essas alucinações com algo positivo. Os resultados das pesquisas em pessoas livres de transtornos mentais levam alguns autores a questionar se as alucinações devem ser sempre consideradas uma patologia.
É verdade que nem todas as pessoas estão dispostas a falar sobre suas alucinações. Não abertamente. É de se supor algumas delas, tenham receio de partilhar suas vivências por temer a rejeição social. O que não ocorre no contexto religioso em que essas experiências são valorizadas pelo grupo.
É algo para se pensar. O fato é que não há respostas prontas. O que os pesquisadores fazem é rastrear pistas. Uma que pode ajudar é descobrir o que veio primeiro: a prática religiosa ou a doença mental? A partir daí, é possível arriscar algumas conexões: “A religião está na origem do transtorno psiquiátrico ou pessoas com distúrbios é que buscam a religião como alívio?”, questiona Almeida.
De qualquer modo, existe muita discussão em torno dos sinais que podem separar o “normal” do “anormal”. Isso vai depender do viés, dos padrões ditados por uma dada cultura. Uma forma flexível de encarar as crenças religiosas de cada paciente é o que os pesquisadores parecem defender: “É vital que a abordagem seja equilibrada e evite os extremos, por um lado, tomar como doentios os estados místicos ou, por outro lado, de tomar como espiritualidade os estados psicóticos e glorificar a doença”, reflete Louzã.
-Alento
Todo mundo conhece alguém que buscou religiões espiritualistas (kardecismo, umbanda e candomblé) com intuito específico de curar uma determinada doença. No Brasil, a prática é largamente difundida.
A possessão é vista com bons olhos. Dificilmente é encarada como um traço de instabilidade mental, como ocorre em países de forte cultura industrial, por exemplo. Entre os católicos (80% dos brasileiros), uma grande parcela se declara não-praticante (90% deles) e participa de cultos espíritas. A busca é livre.
Existiria um lado religioso e um lado médico? Há alguma distinção entre doença espiritual e doença material? Os líderes religiosos acreditam que sim. Essa visão, porém, não é compartilhada pela psiquiatria, que descarta a existência de uma fronteira entre doença da alma e a doença da mente. Para a psiquiatria, ou a doença existe ou ela não existe.
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