A tecnologia está presente em vários campos de atuação, até mesmo área médica. Pesquisadores de universidades brasileiras estudam a aplicação de ambientes virtuais para reabilitação do déficit cognitivo causados por distúrbios neuropsiquiátricos.
O tratamento farmacológico e a terapia são associados a aparelhos, softwares e Internet. Jogos de computador em 3D que simulam situações do cotidiano podem promover a reabilitação da cognição, que envolve várias funções mentais, como atenção, percepção, compreensão aprendizagem, memória, resolução de problemas e raciocínio.
A principal vantagem da realidade virtual é a imersão, onde o usuário mergulha em um mundo tridimensional artificial, que é completamente gerado pelo computador. O usuário percebe, através de um ou mais sentidos, dados vindos da máquina, gerados em dispositivos especiais através de uma simulação interativa.
Na tentativa de recriar a realidade, podem ser usados diversos dispositivos: capacete de visualização, dispositivos de rastreamento, luvas eletrônicas, “joysticks”, que permitem
ao usuário navegar através de um ambiente virtual e interagir com objetos virtuais.
O tratamento é voltado para pacientes com doenças psiquiátricas e afetivas causadas por acidentes de parto, acidentes vasculares, ou ainda distúrbios neurológicos provocados por paralisia cerebral, mal de Alzheimer, mal de Parkinson e esclerose múltipla.
Nos mais jovens, as deficiências são associadas a vários problemas de desenvolvimento, como falta de atenção causada por transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).
A recuperação é possível graças ao mecanismo da plasticidade cerebral, que é a capacidade do cérebro de ser moldado pela experiência, de aprender e reorganizar-se, substituindo circuitos lesionados a partir de estímulos comportamentais.
Um dogma da biologia afirmava que só existia neuroplasticidade em animais muito jovens, enquanto nos adultos essa possibilidade seria muito pequena ou inexistente. Estudos feitos na década de 80, porém, sinalizam o contrário, circuitos lesionados podem ser substituídos por circuitos vizinhos intactos.
Isso significa que a partir da reabilitação cognitiva, da terapia e do tratamento medicamentoso há uma reprogramação das redes neuronais, com o surgimento de conexões que antes não existiam. A partir daí, é possível reduzir os efeitos causados diferentes tipos de lesões cerebrais.
“O sistema nervoso de um bebê ao nascer, é como uma superfície de gelo plana. Os estímulos vividos pela criança, são como esferas de aço que sulcam esta superfície de gelo. E toda pessoa tem liberdade de definir seu caminho. Toda vez que ela passa por uma nova experiência é como se lançasse uma nova esfera que sulca o gelo e fica aprisionada na canaleta cunhada. Em 15 anos trabalhando com populações de idosos, o que eu percebo é que a condição de vida do presente é o resultado do estilo de vida do passado. Isso diz respeito a todas as doenças, inclusive as neurológicas. Elas dependem da maneira como a pessoa interpreta a realidade. Quando surge uma nova oportunidade de mudar a atitude mental diante dos fenômenos, é como se em uma parte do cérebro, as esferas voltassem a ter a liberdade de desbravar novos caminhos, novas ‘neuro vias’, isto é neuroplasticidade”, explica o médico Fernando Antonio Cardoso Bignardi, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
O processo de reabilitação se inicia após análise médica realizada por um neurologista. Depois, um neuropsicólogo avalia as deficiências provocadas pela lesão em termos cognitivos e afetivos. Então, o psicólogo, treina o paciente através de exercícios especialmente projetados para a reabilitação em sua deficiência cognitiva.
Os exercícios podem ser aplicados através de formulários impressos, vídeos, fitas de áudio ou qualquer outro meio capaz de representar situações do cotidiano nas quais o paciente é incentivado a se concentrar, interagir, raciocinar, tomar decisões, entender o discurso corrente e expressar sentimentos e pensamentos. O ambiente virtual surge como uma ferramenta a mais para recuperação.
É o que mostra um projeto-piloto no Hospital Universitário Pedro Ernesto, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). O estudo avaliou a eficácia do tratamento em pacientes com esquizofrenia a partir da imersão em ambientes tridimensionais.
O recurso permite tratar as disfunções do funcionamento cognitivo, déficits associados ao mau funcionamento do lobo frontal, como o comprometimento das funções executivas, da capacidade de resolução de problemas, da memória e da atenção.
O paciente passa por sessões de navegação que simulam situações que são negligenciados em razão da doença, como fazer compras no supermercado. Outro ambiente simula uma casa e estimula a execução de tarefas básicas, como tomar banho e escovar os dentes. Após 16 sessões de treinamento, o usuário passa por uma avaliação. São aplicadas escalas quem medem a evolução do quadro do paciente.
Os resultados são animadores. Os pesquisadores constataram uma melhora dos sintomas psicóticos negativos presentes na esquizofrenia, como isolamento e apatia e embotamento afetivo, e das habilidades de lidar com as questões do dia-a-dia.
“A estimulação a partir do treinamento é uma experiência pioneira que melhora o desempenho na vida real e aumenta a independência na execução de atividades cotidianas freqüentemente comprometida no paciente esquizofrênico, que geralmente se mostra muito passivo e dependente da família”, avalia o psiquiatra Elie Cheniaux, professor da UERJ.
“O treinamento é semelhante ao do piloto de avião que testa suas habilidades antes de sair do chão”, compara. As sessões de navegação são acompanhadas durante seis meses e podem envolver diversos profissionais como psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais.
“Existem pesquisas em várias partes do mundo que atestam os benefícios trazidos pelo tratamento em ambientes virtuais”, afirma a professora Rosa Maria Moreira da Costa, professora da UERJ, que coordena o estudo.
“O processo de desenvolvimento e modelagem desse sistema se apóia no emprego da linguagem de computador e passa desenvolvimento de novas técnicas de informática”, explica Rosa, que é pioneira na América Latina no estudo do uso do ambiente virtual para tratamento de pacientes com distúrbios neuropsiquiátricos.
Ela observa que, apesar da tecnologia de realidade virtual ser amplamente explorada na área médica, produzindo várias experiências inovadoras ligadas ao treinamento cirúrgico e anatômico, seu o potencial na reabilitação cognitiva tem recebido menos atenção.
Uma das maiores dificuldades em colocar em prática o tratamento de doenças neuropsiquiátricas a partir da realidade virtual é que ainda há uma reação da área médica em reconhecer a tecnologia. “Essa é a maior dificuldade em se introduzir a tecnologia nos hospitais, ainda ha restrições por parte dos médicos”, lamenta.