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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Ambiente virtual ajuda pacientes neuropsiquiátricos

Por Roberta de Medeiros

A tecnologia está presente em  vários campos de atuação, até mesmo área médica. Pesquisadores de universidades brasileiras estudam a aplicação de ambientes virtuais para reabilitação do déficit cognitivo causados por distúrbios neuropsiquiátricos.

O tratamento farmacológico e a terapia são associados a aparelhos, softwares e Internet. Jogos de computador em 3D que simulam situações do cotidiano podem promover a reabilitação da cognição, que envolve várias funções mentais, como atenção, percepção, compreensão aprendizagem, memória, resolução de problemas e raciocínio.

A principal vantagem da realidade virtual é a imersão, onde o usuário mergulha em um mundo tridimensional artificial, que é completamente gerado pelo computador. O usuário percebe, através de um ou mais sentidos, dados vindos da máquina, gerados em dispositivos especiais através de uma simulação interativa.

Na tentativa de recriar a realidade, podem ser usados diversos dispositivos: capacete de visualização, dispositivos de rastreamento, luvas eletrônicas, “joysticks”, que permitem
ao usuário navegar através de um ambiente virtual e interagir com objetos virtuais.

O tratamento é voltado para pacientes com doenças psiquiátricas e afetivas causadas por acidentes de parto, acidentes vasculares, ou ainda distúrbios neurológicos provocados por paralisia cerebral, mal de Alzheimer, mal de Parkinson e esclerose múltipla.

Nos mais jovens, as deficiências são associadas a vários problemas de desenvolvimento, como falta de atenção causada por transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

A recuperação é possível graças ao mecanismo da plasticidade cerebral, que é a capacidade do cérebro de ser moldado pela experiência, de aprender e reorganizar-se, substituindo circuitos lesionados a partir de estímulos comportamentais.

Um dogma da biologia afirmava que só existia neuroplasticidade em animais muito jovens, enquanto nos adultos essa possibilidade seria muito pequena ou inexistente. Estudos feitos na década de 80, porém, sinalizam o contrário, circuitos lesionados podem ser substituídos por circuitos vizinhos intactos.

Isso significa que a partir da reabilitação cognitiva, da terapia e do tratamento medicamentoso há uma reprogramação das redes neuronais, com o surgimento de conexões que antes não existiam. A partir daí, é possível reduzir os efeitos causados diferentes tipos de lesões cerebrais.

“O sistema nervoso de um bebê ao nascer, é como uma superfície de gelo plana. Os estímulos vividos pela criança, são como esferas de aço que sulcam esta superfície de gelo. E toda pessoa tem liberdade de definir seu caminho. Toda vez que ela passa por uma nova experiência é como se lançasse uma nova esfera que sulca o gelo e fica aprisionada  na canaleta cunhada. Em 15 anos trabalhando com populações de idosos, o  que eu percebo é que a condição de vida do presente é o resultado do estilo de vida do passado. Isso diz respeito a todas as doenças, inclusive as neurológicas. Elas dependem da maneira como a pessoa interpreta a realidade. Quando surge uma nova oportunidade de mudar a atitude mental diante dos fenômenos, é como se em uma parte do cérebro, as esferas voltassem a ter a liberdade de desbravar novos caminhos, novas ‘neuro vias’, isto é neuroplasticidade”, explica o médico Fernando Antonio Cardoso Bignardi, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

O processo de reabilitação se inicia após análise médica realizada por um neurologista. Depois, um neuropsicólogo avalia as deficiências provocadas pela lesão em termos cognitivos e afetivos. Então, o psicólogo, treina o paciente através de exercícios especialmente projetados para a reabilitação em sua deficiência cognitiva.

Os exercícios podem ser aplicados através de formulários impressos, vídeos, fitas de áudio ou qualquer outro meio capaz de representar situações do cotidiano nas quais o paciente é incentivado a se concentrar, interagir, raciocinar, tomar decisões, entender o discurso corrente e expressar sentimentos e pensamentos. O ambiente virtual surge como uma ferramenta a mais para recuperação.

É o que mostra um projeto-piloto no Hospital Universitário Pedro Ernesto, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). O estudo avaliou a eficácia do tratamento em pacientes com esquizofrenia a partir da imersão em ambientes tridimensionais.

O recurso permite tratar as disfunções do funcionamento cognitivo, déficits associados ao mau funcionamento do lobo frontal, como o comprometimento das funções executivas, da capacidade de resolução de problemas, da memória e da atenção.

O paciente passa por sessões de navegação que simulam situações que são negligenciados em razão da doença, como fazer compras no supermercado. Outro ambiente simula uma casa e estimula a execução de tarefas básicas, como tomar banho e escovar os dentes. Após 16 sessões de treinamento, o usuário passa por uma avaliação. São aplicadas escalas quem medem a evolução do quadro do paciente.

Os resultados são animadores. Os pesquisadores constataram uma melhora dos sintomas psicóticos negativos presentes na esquizofrenia, como isolamento e apatia e embotamento afetivo, e das habilidades de lidar com as questões do dia-a-dia.

“A estimulação a partir do treinamento é uma experiência pioneira que melhora o desempenho na vida real e aumenta a independência na execução de atividades cotidianas freqüentemente comprometida no paciente esquizofrênico, que geralmente se mostra muito passivo e dependente da família”, avalia o psiquiatra Elie Cheniaux, professor da UERJ.

“O treinamento é semelhante ao do piloto de avião que testa suas habilidades antes de sair do chão”, compara. As sessões de navegação são acompanhadas durante seis meses e podem envolver diversos profissionais como psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais.

“Existem pesquisas em várias partes do mundo que atestam os benefícios trazidos pelo tratamento em ambientes virtuais”,  afirma a professora Rosa Maria Moreira da Costa, professora da UERJ, que coordena o estudo.

“O processo de desenvolvimento e modelagem desse sistema se apóia no emprego da linguagem de computador e passa desenvolvimento de novas técnicas de informática”, explica Rosa, que é pioneira na América Latina no estudo do uso do ambiente virtual para tratamento de pacientes com distúrbios neuropsiquiátricos.

Ela observa que, apesar da tecnologia de realidade virtual ser amplamente explorada na área médica, produzindo várias experiências inovadoras ligadas ao treinamento cirúrgico e anatômico, seu o potencial na reabilitação cognitiva tem recebido menos atenção.

Uma das maiores dificuldades em colocar em prática o tratamento de doenças neuropsiquiátricas a partir da realidade virtual é que ainda há uma reação da área médica em reconhecer a tecnologia. “Essa é a maior dificuldade em se introduzir a tecnologia nos hospitais, ainda ha restrições por parte dos médicos”, lamenta.

Publicado na revista Psique

sábado, 15 de janeiro de 2011

O que o cheiro tem a ver com o comportamento sexual?


Por Roberta de Medeiros

Sempre tem um cheirinho que faz a gente se lembrar de uma pessoa querida. Já percebeu? É normal, considerando que as emoções estão intimamente ligadas ao olfato.
Estudos recentes vão mais longe, até defendem que existe um certo odor exalado pelo organismo que nos torna sexualmente atraídos pelo sexo oposto. E sequer pensamos direito na hora "h", porque a reação é automática.

O artifício não é privilégio dos humanos - está presente em vertebrados em geral, e funciona como isca para fisgar possíveis parceiros sexuais. Quem diria, tudo indica que romance começa pelo faro! Se preferir, pense que temos um "sexto sentido". Isto, graças aos feromônios, sinais químicos produzidos pelo corpo e que podem ser detectados por um pequeníssimo órgão que fica no nariz e é responsável pela recepção desses sinais, o órgão vômero-nasal.

Ele é uma estrutura importante no processamento de informações olfativas que não se tornam conscientes e que desencadeiam impulsos que levam ao sexo (sistema acessório). Lembre-se que um cão, por exemplo, tem o hábito de marcar seu próprio território! Paralelamente, há o epitélio olfatório. Ele que permite que sinais químicos sejam percebidos como um cheiro - e de modo consciente (sistema principal).

Alguns estudos atestam que homens não têm o órgão vômero-nasal. Na melhor das hipóteses, as pesquisas mostram que a ele simplesmente não funciona. Isto é, por causa da evolução biológica, o órgão se tornou inativo em certos primatas. Se isso é mesmo verdade, por que ainda somos sensíveis ao feromônio? Tudo leva a crer que informação através do feromônio tomou uma outra rota para atuar no sistema nervoso.


Publicado na revista Fato

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Consumo, logo existo

Por Roberta de Medeiros

O psiquiatra alemão Emil Kraepelin (1856-1926) e o suíço Eugen Bleuer (1857-1939) foram os primeiros escrever sobre o comprar compulsivo (ou oniomania), no início do século 20. Para os pesquisadores, a dificuldade de controlar o impulso é o elemento essencial para compreender o quadro.

Eles observaram que algumas mulheres eram compradoras descontroladas em busca de excitação, comportamento semelhante ao dos jogadores patológicos. O tema caiu no anonimato nos anos seguintes e foi retomado na década de 90. O transtorno, porém, ainda não é considerado uma doença pela Organização Mundial da Saúde.

Segundo a psicóloga Tatiana Filomensky, do Ambulatório dos Transtornos do Impulso do Hospital das Clínicas, a pessoa que sofre da compulsão experimenta uma forte ansiedade que só é aliviada quando faz a compra.

“Ela não consegue controlar um desejo intrusivo, indesejável e repetitivo. O ato é seguido por um intenso sentimento de alívio”, descreve a psicóloga. Diante da impossibilidade de comprar, podem aparecer sintomas físicos, como sudorese, taquicardia, tremor e sensação de desmaio –e sintomas psicológicos, como irritação.

Depois de adquirir a nova mercadoria, surge a sensação de remorso e decepção diante da incapacidade de controlar o impulso. Numa atitude compensatória, o mal-estar gerado pela culpa levará o compulsivo a comprar novamente, dando continuidade ao círculo vicioso.

“Numa sociedade que estimula o máximo consumo e a satisfação do prazer imediato, a compulsão por compras não é notada tão prontamente pelos familiares, diferente do que ocorre diante de outras dependências, como o abuso de drogas”, lembra a terapeuta. Por isso, quem sofre do transtorno leva muitos anos para reconhecer o caráter patológico do seu comportamento.

Mas quando isso acontece, a pessoa sente vergonha por não vencer a batalha contra o desejo, assim, o transtorno é mantido em segredo.“A pessoa que sofre da doença por muitos anos e descobre que há algo errado, é capaz de perceber que seu comportamento não é saudável e se sente fraca diante do seu impulso. Por isso, ela mente e transforma o ato de comprar numa atividade solitária”, explica.

Ao contrário do que se pode supor, a avaliação não é feita com base na quantidade de dinheiro gasto, mas no estrago que o problema pode causar à vida da pessoa, já que ela passa a negligenciar as atividades sociais importantes, como trabalho, família e amigos, afirma a psicóloga Juliana Bizeto, coordenadora do Ambulatório de Dependências Não-Químicas, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

“O gasto excessivo por si só não é evidência para diagnóstico. O que deve ser considerado é a relação do paciente com a compra. Para o compulsivo, o único prazer é comprar, ele não pretende usufruir. É um comportamento vazio. Nesse caso, há uma restrição do prazer, um empobrecimento social e uma queda da qualidade de vida, já que a pessoa se torna apática diante de outros estímulos”, explica.

Em sua tese de doutorado, a especialista investiga os fatores de risco que estão envolvidos com o surgimento de dependências não-químicas. A partir de uma pesquisa realizada com pacientes compulsivos atendidos pelo Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes), da Unifesp, ela observou que a principal delas é a falta de inserção social.

“A pessoa que não está inserida em um grupo social, como no trabalho, na família ou na igreja tem maior possibilidade de desenvolver algum tipo de dependência, seja por compras, jogos, sexo e Internet”, observa.

94% dos compradores compulsivos são mulheres, como mostra o artigo entitulado “Compulsive Buying. Demography, Phenomenology and comorbidity in 46 subjetcs”, publicado pelo periódico Gen Hosp Psychiatry, em 1994. Juliana ressalta, porém, que a presença do transtorno na população masculina pode estar subestimado.

“Não sabemos se as mulheres são realmente as maiores vítimas ou se são elas que mais freqüentemente procuram o serviço de saúde. Às vezes, a gravidade do quadro é ainda mais acentuada nos homens, porque eles demoram mais tempo para buscar tratamento e, quando isso acontece, chegam ao ambulatório mais comprometidos”, ressalta.
A psicóloga Júnia Cicivizzo Ferreira, da Unifesp, observa que nem sempre esse comportamento se repete durante o ano todo. A pessoa também pode ter “orgias" de compras ocasionais em algumas situações, como aniversários e férias. A terapeuta, observa, porém, que o gasto episódico não é suficiente para confirmar um diagnóstico.

“Há de se diferenciar a compra por hábito de consumo ou impulso e comprar por compulsão. No primeiro caso, o comprador se sente atraído pelo produto de alguma forma, e no segundo caso, existe o descontrole da situação, o compulsivo acaba comprando pelo simples fato de comprar”, compara.
Publicado na revista Mente & Cérebro

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Um mal silencioso

Por Roberta de Medeiros

A doença de Alzheimer traz consigo uma série de perguntas. A sua origem permanece como um campo obscuro e não ha exames que comprovem a doença com precisão. O que alguns neurologistas da USP (Universidade de São Paulo)  pretendem é lançar um pouco de luz sobre a questão.

Após dez anos de pesquisa, o grupo acredita ter identificado a primeira região cerebral a apresentar uma das lesões mais características da doença, os chamados emaranhados neurofibrilares - alterações nos prolongamentos que servem de linhas de comunicação dos neurônios.

A doença começa no tronco cerebral, numa área chamada núcleo dorsal da rafe, e não no córtex, que é o centro do processamento de informações e armazenamento da memória, como se acreditava.

O tronco cerebral é uma importante estrutura do sistema nervoso, que controla funções involuntárias cruciais para a sobrevivência, como respiração, pressão sanguínea e sono. A idéia é defendida por brasileiros em parceria com alemães. Seus achados foram publicados na revista científica “Neuropathology and Applied Neurobiology”.

O achado foi possível graças à autopsia do cérebro de 118 pessoas, que tinham idade média de 75 anos no momento da morte. Os pesquisadores constataram a existência de lesões no núcleo dorsal da rafe em idosos que não apresentavam emaranhados em nenhuma outra parte do cérebro e em todos os 80 indivíduos que já tinham ao menos um emaranhado no córtex. 

Verificamos se haviam alterações típicas do Alzheimer sem saber o resultado da pesquisa de alterações da doença no córtex. Com os resultados, cruzamos os dados e verificamos que 100% dos casos com alterações no córtex também tinham alteração na rafe. Enquanto isso, 22% dos casos sem alteração no córtex, tinham alteração na rafe”, explica uma das autoras do estudo, a patologista Lea Grinberg, coordenadora do Banco de Encéfalos Humanos da Faculdade de Medicina da USP e professora visitante do Laboratório de Morfologia Cerebral da Clinica de Psiquiatria da Universidade de Wuezburg, na Alemanha, em entrevista a Psique.

De acordo com a pesquisadora, a tese de que a doença tem origem no tronco cerebral e se espalha para do córtex é importante na busca de terapias para frear o desenvolvimento da doença em seu estágio inicial.

O foco de pesquisas para realização de diagnóstico precoce e proteção dos neurônios contra a doença deverá ser o núcleo dorsal na rafe, não o córtex. O objetivo é parar ou diminuir a progressão da doença o mais cedo possível”, diz Lea.

O que o seu grupo de pesquisa pretende é conseguir um diagnóstico precoce como é feito atualmente em relação à Aids. “É um desafio desenvolver marcadores precoces para diagnóstico da doença, que sejam no sangue, liquor ou por exames de imagem. Como paralelo, vamos usar a Aids. O vírus do HIV pode ser detectado anos antes da manifestação da doença. É isso o que se almeja com a doença de Alzheimer”, afirma.

Os avanços, entretanto, dependem da confirmação da descoberta. “Qualquer descoberta pressupõe a necessidade de que outros grupos corroborem com o resultado. Esse é o primeiro passo. A partir daí, surgirão teorias. Por exemplo, a de que o controle de serotonina do sistema nervoso central pode ser afetado logo no inicio. Poderíamos, assim, propor uma modulação desse neurotransmissor para tratar a doença”, explica o neurologista Ricardo Nitrini, professor do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do Centro de Referência em Estudos Cognitivos do Hospital das Clínicas.

“Para onde essa descoberta vai nos levar e ainda bastante precoce dizer. Futuramente, seria possível compreender o que essa descoberta poderia trazer de benefício, sabendo como os sintomas podem ser apresentados e que tipo de intervenção seria necessária. O que temos ate agora e mais um tijolo no conhecimento da doença”, acrescenta.

Até então,a medicina postulava que os emaranhados que surgiam no tronco cerebral apareciam depois, e não antes, de regiões do córtex terem sido afetados por essas alterações típicas da demência. “Até então, ninguém pôde demonstrar quando esse núcleo é afetado cronologicamente no Alzheimer. Esse trabalho só pode ser feito por causa das características únicas do Banco de Encéfalos Humanos do Grupo de Estudos em Envelhecimento Cerebral.

Ninguém no resto do mundo tem casos controles como nós. Isso ocorre porque cada vez há menos autopsias no mundo. Por sorte, temos um serviço de verificação de mortes da capital, que tem excelente estrutura de funcionamento. Não posso deixar de agradecer as famílias que doaram os cérebros. Cerca de 90% das famílias abordadas concordaram com a doação para pesquisa. Só assim podemos avançar com o conhecimento”, comemora.  

Publicado na revista Psique.