Por Roberta de Medeiros
Há pessoas que não conseguem ficar sem o celular nem por um instante. Essas pessoas entram num estado de profunda ansiedade e angústia quando se veem sem o celular, quando ficam sem créditos ou com a bateria no fim. A necessidade de estar conectado ultrapassa todos os limites.
Essas pessoas não saem de casa sem o celular, mantém o telefone ligado 24 horas por dia e sentem ansiedade quando o esquecem em casa. Antes de dormir, programam o telefone com o número do médico, do psicólogo e dos hospitais registrados em ordem por uma numeração específica, para o caso de ser necessário.
Elas apenas precisariam apertar a tecla correspondente ao atendimento e logo encontrariam a providência desejada. Elas ainda se sentem rejeitadas quando ninguém lhes telefona ou quando percebem que os amigos recebem mais ligações do que eles. Quando ficam sem bateria ou fora da área de cobertura se sentem ansiosas, angustiadas e inseguras.
Para a psicóloga Sylvia van Enck, do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso, da USP, a nomofobia é um transtorno do controle dos impulsos com um forte componente de ansiedade generalizada.
Alguém que apresenta algum transtorno no controle dos impulsos, tem dificuldade para resistir à tentação de executar um ato que possa vir a ser prejudicial para si ou para os outros e obtém alívio e diminuição da tensão emocional e física quando ação é executada.
“O transtorno de ansiedade faz parte da caracterização dos transtornos no controle dos impulsos e, neste caso, a pessoa é acometida por uma apreensão negativa em relação aos eventos futuros, provocando sensações de inquietação psíquica e sintomas físicos desagradáveis”, diz a psicóloga.
O mercado oferece uma infinidade de aparelhos, e é difícil resistir à tentação de adquirir o mais novo modelo. Cada vez mais a população mais jovem, incluindo crianças, está cedendo às pressões do mercado com a ajuda dos pais.
Mas psicóloga alerta: “Há um risco no desenvolvimento da insegurança pessoal que pode ser também o reflexo da insegurança dos pais, que precisam estar sempre tendo notícias do paradeiro dos filhos. Outro aspecto a ser considerado é a diminuição na resistência à frustração diante da espera de um contato ou do silêncio do outro, gerando ansiedade, angústia... que se não controlados podem desencadear comportamentos agressivos, reflexos da intolerância gerada pela nomofobia”, diz Sylvia.
-Transtorno de ansiedade
Autora de uma tese de doutorado sobre o tema, a psicóloga Anna Lúcia Spear King, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, comparou pacientes com um transtorno de ansiedade conhecido como síndrome do pânico, com pessoas completamente saudáveis, para saber o que eles sentiam quando ficavam sem o aparelho celular.
Entre os pacientes com pânico, a maioria demonstrou ter também a dependência do celular. Mesmo entre os considerados saudáveis, 34% confessaram sentir ansiedade e 54 % disseram ter medo de passar mal na rua se ficarem longe o aparelho.
Anna Lúcia lembra que nomofóbicos são pessoas que apresentam um perfil ansioso, dependente, inseguro e com uma predisposição característica dos transtornos de ansiedade que podem ser, por exemplo: transtorno de pânico, fobia social, fobia específica, transtorno de estresse pós-traumático; e costumam ficar dependentes da internet por medo que estabelecerem relacionamentos sociais ou afetivos pessoalmente.
“Com o telefone celular em mãos, essas pessoas têm a sensação de estarem acompanhadas e se sentem mais independentes. Quando não existia o telefone celular, estes indivíduos não tinham a mesma liberdade de locomoção e autonomia que têm atualmente de posse do aparelho”, explica.
Muitas pessoas nomofóbicas, porém, não aceitam que são portadores desse tipo de fobia e atribuem a sua angustia a várias causas. Colocam a culpa no trabalho ou na necessidade de se comunicar com família ou com amigos, no caso de alguma emergência.
“É comum os dependentes alegarem que não podem ficar sem celular devido ao medo de precisarem do aparelho no caso de uma emergência, quando estão fora de casa, por exemplo. A pessoa se sente insegura sem o celular, é como se o aparelho conferisse uma falsa sensação de apoio, de controle”, comenta a psicóloga Juliana Bizeto, do PROAD (Programa de Orientação e Atendimento ao Dependente) da Unifesp.
Segundo Juliana, a dependência gera um impacto severo na qualidade de vida. “A pessoa não tem outras fontes de prazer, passa a se desinteressar por atividades sociais, afetivas e de lazer que anteriormente ele gostava. Ela tem uma relação exclusiva com o objeto de sua dependência e passa gastar cada vez mais, horas do seu dia, a determinada situação”.
A psicóloga lembra que, no caso da dependência por celular ou internet, o problema pode ser camuflado já que a sociedade aceita o uso abusivo dessas tecnologias. “A nomofobia pode acometer pessoas bem adaptadas, que trabalham, estudam ou são casadas. Por isso, o problema não chama atenção, são poucos sinais visíveis que denunciam a dependência”, alerta.
“Os alvos mais freqüentes desse tipo de distúrbio são os adolescentes e os adultos com mais de 40 anos. O fator de risco para desenvolvimento da dependência é a ocorrência de um evento traumático, como uma separação, a mudança de emprego ou a morte de um ente familiar”, pontua.
O abuso funciona como a única válvula de escape da pessoa, que passa a ter uma vida empobrecida e um campo de atuação muito restrito.
Juliana lembra que os critérios de diagnóstico se apóiam na presença de três traços: exclusividade, tolerância e abstinência. Exclusividade, porque a tecnologia é única fonte de prazer; tolerância, porque a pessoa passa a gastar tempo cada vez maior com essa tecnologia; e abstinência, porque a pessoa apresenta sintomas desagradáveis quando está sem o aparelho, como irritabilidade, agitação e taquicardia.
“O dependente pode até reconhecer que sua relação com a tecnologia não é saudável. Ele consegue racionalizar e admitir que consegue controlar. Mas racionalizar é mais fácil do ter a plena consciência de que está adoecido, numa condição de sofrimento que exige cuidado”, diz o psicólogo Júlio D’Amato, da Universidade Federal Fluminense e professor da Unilasalle.
Segundo ele, o uso abusivo da conexão móvel pode ser só a ponta do iceberg. Muitas vezes camuflam outros distúrbios. Os mais freqüentes: transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), fobia social, transtorno de ansiedade, depressão e TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo).
“As sensações desagradáveis experimentadas pelo nomofóbico quando está sem o seu celular, comuns num ataque de pânico, muitas vezes não estão sozinhas, mas acompanhadas de um processo depressivo encoberto. Esses processos não são puros, há uma articulação entre os transtornos”, explica.
Numa sociedade que oferta um sem número de tecnologias e que exige que estejamos conectados permanentemente, como diferenciar um nomofóbico de um usuário habitual? Para D’Amato, o nomofóbico é aquele que não resiste ficar sem rede a conexão, ele precisa dar vazão ao seu impulso. Trata-se de uma neurose obsessiva. Falar ao telefone é uma forma de prazer que encobre a dor.
“O caráter obsessivo é atendido na atuação desmedida do sujeito que se submete a demandas incontroláveis. Vale lembrar que essas exigências inconscientes quando atendidas, logo se manifestam outra vez, levando o sujeito a reeditar comportamentos frente aos quais não consegue se insurgir ou mudar. É nessa perspectiva que podemos pensar, por exemplo, o vínculo do sujeito com atividades como se conectar, comprar, jogar ou comer”, analisa D’Amato.
O psicólogo lembra que a pessoa tem que ficar atenta sempre que passar a se desinteressar por atividades sociais, afetivas e de lazer que anteriormente ele gostava. Esse processo vai minando lentamente a pessoa, que passa a despender cada vez mais horas do seu dia a determinada situação.
“Um sintoma é o afastamento da pessoa de amigos e parentes com desligamento das coisas que antes sentia prazer, na medida em que a pessoa passa a se fixar em uma só atividade. Pessoas que sempre foram produtivas começam a se comportar diferente, dedicando-se menos ao trabalho, à família e às atividades costumeiras. De forma, que tudo no mundo apresenta-se como um sacrifício para ela”, explica D’Amato.
-Medo
Quando ouvimos som estrondoso, levamos um susto. Mas essa sensação desaparece logo que percebemos que aquele som é inofensivo ou quando o barulho pára. Existem casos, porém, em que sentimos medo sem que o sinal de alerta esteja presente, esse medo é virtual.
Quando esse medo persiste durante um período maior, ele se transforma em ansiedade. Sempre que sentimos medo, reagimos com comportamentos e alterações fisiológicas que nos preparam para reagir a uma situação de ameaça. A pessoa se coloca em estado de alerta.
O esforço exigido provoca reações: a freqüência cardíaca acelera, ocorre vasoconstrição cutânea, aumentado o fluxo sanguíneo para os músculos (já que a pessoa está preparada para reagir fisicamente em relação ao perigo), a respiração acelera, as vias aéreas dilatam-se, ocorre a sudorese.
As situações de ansiedade são até certo ponto normais, mas quando começam a causar sofrimento no indivíduo, ela pode ser considerada patológica. No caso das fobias, o medo tem uma causa determinada, que pode, muitas vezes, ser considerada inofensiva para as pessoas livres de sintomas, como o medo de ficar sem o celular.
As reações fisiológicas, nesse caso, são intensas. Diversas pesquisas feitas por neurocientistas comprovam que há uma região do cérebro que funciona como “botão disparador” do medo, a amígdala.
-Estudo
Um estudo para avaliar a dependência do celular entrevistou 600 estudantes da Faculdade de Medicina de Indore, na Índia. Muitos deles usavam celulares com bastante freqüência, uma vez que a maioria deles moravam em albergues e queriam estar em contato constante com seus familiares e amigos. O mercado indiano surgiu como o segundo maior mercado depois da China para telefones celulares.
Foram identificadas as variáveis demográficas: idade, sexo, escolaridade e residência. O questionário sobre nomofobia tinha oito componentes: há quanto tempo o estudante possui o celular, ansiedade e estresse experimentado por causa das conexões perdidas, perda do celular e descarga da bateria, quantia gasta por mês em recarga, reação mostrada para o telefone tocando em horários impróprios, a freqüência com que eles mudam de telefone.
Cerca de 73% dos alunos responderam que eles mantinham seus celulares com eles, mesmo quando iam dormir, 18,5% dos estudantes utilizou o celular durante as horas de estudos, 20% dos alunos responderam que perdiam a concentração e ficavam estressados quando não tinham seus celulares por perto ou se o celular ficava sem bateria, 25% dos estudantes disseram que eles faziam a atualização de software móvel pelo menos uma vez por ano, 83% dos alunos responderam que o celular era uma ferramenta necessária para ajudá-los a manter conectados com seus familiares, 31% dos alunos tinham pelo menos uma chamada de longa duração todos os dias por mais de 30 minutos, dos quais 39% composta por mulheres e 24% por homens. Cerca de 56% dos estudantes mantiveram seus telefones móveis ou no bolso da camisa ou calça jeans perto de seu corpo para que eles pudessem ter uma sensação de constante contato com seu telefone celular.
Segundo o pesquisador Sanjay Dixit, do Departamento de Medicina da Faculdade de Medicina da MGM, Indore, os resultados encontrados na pesquisa foram extraídos a partir de um estudo com um pequeno grupo, mas podem refletir o cenário em todo o mundo, indicando que nomofobia tem todas as possibilidades de alcançar a escala de epidemia.
“Na realidade, estes resultados dão uma indicação preocupante de que, a cada dia que passa a juventude está ficando mais e mais dependente de celulares, que podem levar condições psiquiátricas graves e problemas psicológicos. Para evitar o estresse induzido por causa do mau funcionamento de telefones celulares, as pessoas que utilizam o aparelho levam um carregador o tempo todo, cartão de telefone pré-pago para fazer chamadas de emergência. E, no caso seu celular não estar funcionando, armazenam números de telefone importantes em outro lugar como backup no caso perderem seu telefone móvel”, explica.
Para a pesquisadora Josyane Lannes Florenzano de Souza, o transtorno ocorre devido ao fato de que em nossa sociedade o ser humano não vive mais num meio natural e sim num meio técnico, que interpõe entre o homem e a natureza uma rede de máquinas e técnicas apuradas. “Em decorrência da expansão dos recursos técnicos, a estrutura da sociedade tecnológica resulta muito mais complexa do que a da sociedade tradicional”, explica. Em consequência da ruptura entre as funções de produtor e consumidor, desempenhadas no passado pelos mesmos indivíduos, e da multiplicação artificial das necessidades de consumo, a organização social desdobrou os papéis sociais atribuídos a uma mesma pessoa. “Um indivíduo é ao mesmo tempo pai de família, empregado de uma fábrica e membro de um clube, de um partido político, de um sindicato, de uma igreja, etc. Por isso, os conflito entre os papéis são muito maiores do que na sociedade tradicional. Essa complexa estrutura da sociedade acaba também demandando uma grande necessidade de comunicação entre os indivíduos. Porém, quando as pessoas se tornam dependentes dessa comunicação ativa, podem se tornar nomofóbicas”, acrescenta.
Os critérios que orientam a identificação do uso excessivo de celular são:
· Manter o celular sempre à mão, 24 horas por dia mesmo quando dormindo, para não perder qualquer possibilidade de contato;
· Abandonar as atividades para atender qualquer chamada do celular (muitas vezes interferindo em situações de trabalho, estudo, reuniões sociais e familiares);
· Manter invariavelmente a bateria do celular carregada;
· Quando esquecer o celular em algum lugar, voltar para buscá-lo pois do contrário este fato pode gerar extrema ansiedade (como se faltasse algo essencial).
Publicado na revista Psique