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sábado, 30 de julho de 2011

Ciúme doentio: entre a realidade e a fantasia

Por Roberta de Medeiros

As palavras são do crítico francês Roland Barthes: "Como homem ciumento eu sofro quatro vezes: por ser ciumento, por me culpar por ser assim, por temer que meu ciúme prejudique o outro, por me deixar levar por uma banalidade; eu sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum".

E nenhum de nós está imune – em um estudo populacional, todos os entrevistados responderam afirmativamente a uma pergunta que indica o ciúme (embora apenas 10% admitam que ele prejudica as relações). Justamente por ser comum, delimitar as fronteiras que separam o ciúme normal do anormal é uma tarefa bem delicada.

Mas há quem afirme que o ciúme normal é passageiro e específico, a desconfiança se baseia em fatos palpáveis. O ciúme patológico, por sua vez, estaria assentado em preocupações absurdas, sem qualquer fundamento ou ligação com a realidade – trata-se, portanto, de uma fantasia, um delírio.

O ciúme doentio pode se mostrar em três casos: na forma de ciúme prevalente (que surge como um traço isolado), de ciúme obsessivo (quando a pessoa tem idéia fixa na traição e não consegue parar de pensar nisso) e de ciúme delirante (a convicção fantasiosa de que a outra pessoa é infiel, ainda o fato não tenha qualquer nexo com a realidade).

No primeiro caso, o ciúme se manifesta como fantasias bastante cotidianas, que não trazem nada de bizarro ou esquisito. A pessoa pode acreditar que está sendo traída ou até que é amada à distância, etc. (A desconfiança se assemelha à convicção de se estar doente ou infectado por algum vírus, por exemplo). 

Quando o ciúme é obsessivo, a pessoa consome grande parte do dia ruminando uma só idéia: a possibilidade de estar sendo traída. Ela não tem certeza, mas a idéia persiste; acaba se sentindo culpada por investigar a pessoa amada a todo instante, tenta por fim à sua compulsão, mas não consegue.

Já ciúme delirante é, possivelmente, o mais exuberante de todos. Enquanto o ciumento clássico se concentra na pessoa amada e no medo de perdê-la, o delirante mantém seu foco na existência um suposto rival (muitas vezes imaginário) – talvez por causa de um desejo velado de competir com ele.

Os delírios de ciúme aparecem em 16% das pessoas com paranóia. Por sua natureza, o ciúme doentio estaria mais ligado ao distúrbio psicótico (problemas psiquiátricos marcados por delírios e alucinações). Neste caso, a pessoa não desconfia, mas está convencida de que realmente foi traída, ainda que isso seja uma hipótese absurda.

Veja os tipos de delírio associados à paixão e ao ciúme:

Erotomaníaco: a pessoa acredita que é amada por alguém de um nível social mais elevado do que ela, embora isso não passe de um delírio.

Grandioso: esse tipo de delírios faz o indivíduo acreditar que possui grande valor, conhecimento, sabedoria ou relação com uma divindade ou pessoa famosa.

Ciumento: delírios recorrentes de que o parceiro sexual é infiel, ainda que não haja nenhuma evidência que justifique tal desconfiança.

Persecutório: a pessoa acredita que ele (ou alguém do seu convívio) está sendo tratado injustamente – neste caso, o ciúme se assemelha à mania de perseguição.  

Tipo Somático: os delírios desse gênero fazem com que a pessoa alimente a crença de que possui algum defeito físico, isso faz com que ela se sinta rejeitada. 

Misto: delírios que mesclam os tipos mencionados, mas sem predomínio de qualquer um deles em especial.


-Intensidade não é termômetro
Ao contrário do que se supõe, não é a intensidade do ciúme que conta. O essencial é verificar o valor que a pessoa dá ao tema infidelidade e o papel que o ser amado tem em sua vida. Ou seja, a base do ciúme patológico estaria muito mais no seu aspecto absurdo, na sua irracionalidade, do que no seu excesso.

Quem tem ciúme doentio é uma bomba-relógio, sempre prestes a explodir. Seu modo de sentir o amor é destrutivo. As pessoas que sofrem de ciúme doentio, geralmente, são sensíveis e têm baixa auto-estima. Reagem às ameaças com um comportamento impulsivo, egoísta e agressivo.

Seja qual for o tipo, o ciúme está ligado ao sentimento de inferioridade e insegurança, transtornos psicológicos atuais ou anteriores, à uma experiência negativa envolvendo separação ou traição, relação de pouca confiança com os pais. Há ainda outros fatores que podem contribuir, como estresse.

-Ciúme e alcoolismo
Até pouco tempo, o ciúme era considerado um traço do alcoolismo. Associado à impotência sexual, o vício seria um importante fator que culminaria no sentimento de inferioridade e rejeição – e ao ciúme patológico, por tabela.  A incidência em alcoólatras é de 34%.

Pelo menos um elemento comum entre o alcoolismo e o ciúme é que os dois estão ligados à dependência. A diferença é que o primeiro caso diz respeito a uma dependência química, enquanto o segundo caso resulta da dependência afetiva. Os mecanismos cerebrais, porém, são similares. E um pode compensar o outro.