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sábado, 30 de abril de 2011

Codependencia: a escravidão mútua

Por Roberta de Medeiros

É comum que o familiar de um alcoólatra ou de doente, por exemplo, dedique-se integralmente a essa pessoa, a ponto de se sentir totalmente responsável por ela. Essa atenção exagerada costuma ser bem vista por todos, já que a tomamos como atitude zelosa para com o outro, uma demonstração de afeto. No entanto, essa rotina de cuidados pode mascarar uma perigosa relação de codependência em que as pessoas envolvidas se deixam escravizar mutuamente.

Isso faz com que elas se distanciem da sua verdadeira identidade, tomando de empréstimo as expectativas, desejos e necessidades da outra pessoa. De alguma maneira, essa relação de dependência funciona como uma estratégia de defesa a qual costumamos recorrer para sobreviver em tempos de crise, é uma forma de crescer em ambientes dolorosos.  Sentimos como se a vida só fosse possível quando nos agarramos fortemente a alguém, quando vivemos em função desse outro.

Desde cedo, as crianças percebem que os sentimentos positivos que lhes é dirigido dependem muito do estado de humor dos pais e, assim, crescem inseguras. Assim, elas aprendem a se basear nos desejos alheios ao invés de investir em suas expectativas. E não raro a dependência mútua é passada de geração em geração. O filho de um pai alcoólatra, por exemplo, poderá manter a mesma relação de dependência, seja por álcool, compras ou trabalho quando adulto.   

Diante do sentimento de inadequação, essas pessoas então buscam a perfeição em cada gesto, cobrando demais de si mesmas, talvez por acreditar o que isso lhes trará aceitação.  Outras se julgam obrigadas a desempenhar o papel de salvadoras, sua auto-estima passa a depender da sua capacidade de ajudar as outras, especialmente as que se as pessoas que se colocam no papel de vítimas; isto por não se julgarem boas o bastante para que sejam aceitas de outro modo. Existem também os revanchistas que tentam compensar as humilhações a partir de grande feitos, ansiosos para reafirmar sua importância. 

Todos os casos mencionados são formas variadas de manifestação de um mesmo problema, a dependência excessiva da aceitação do outro, a necessidade de aprovação. Segundo Roberto Ziemer, mestre em psicologia social pela PUC-SP e autor do livro Do Medo à Confiança: como realizar seu projeto de vida (Editora Gente), o primeiro passo é desvencilhar do que ele chama de eu falso, aquele que tomamos de empréstimo a partir de relações destrutivas. Através da identificação, questionamento e transformação dos papéis falsos descobrimos que existe uma maneira mais espontânea e saudável de estar no mundo, ele diz.

Outro passo é resgatar nossos próprios sentimentos e nos conscientizarmos das nossas próprias necessidades. Identificar os limites entre a própria identidade e a da outra pessoa também pode ajudar. Ao nos libertarmos das crenças e regras destrutivas do passado, poderemos estabelecer nossas próprias regras. À proporção em que nos libertarmos da opressão auto-imposta seremos capazes de fazer contanto com a nossa criança interior, aquela representa os aspectos mais genuínos, espontâneos e criativos de nossa personalidade.

Enfim, “nosso bem-estar comum deve estar sempre em primeiro lugar”, como reza a tradição do Codependentes Anônimos, um programa de recuperação voltado para pessoas que sofrem de dependência afetiva. Além de ensinar seus associados a se ver livre dessa relação de escravidão, o site do grupo oferece algumas perguntas que ajudam a identificar se a pessoa mantém ou não comportamento típicos de codependência:

Você se sente responsável por outra pessoa?
Sente culpa quando outras pessoas têm problemas?
Costuma dizer "sim" quando quer dizer "não"?
Procura agradar aos outros ao invés de agradar a si mesmo?
Vive tentando provar aos outros que é bom o suficiente?
Buscar desesperadamente amor e aprovação?
Tolera abuso para não perder o amor de outras pessoas?
Sente-se aprisionado em um relacionamento?
Teme expressar suas emoções de maneira aberta?
Ignora os seus problemas ou finge que as circunstâncias não são ruins?
Costuma ajudar as pessoas a viverem?
Acredita que elas não sabem viver sem você?
Tenta controlar eventos, situações e pessoas através da culpa?
Procura manter-se ocupado para não entrar em contato com a realidade?
Sente que precisa fazer alguma coisa para sentir-se aceito e amado pelos outros?
Tem dificuldade de identificar o que sente?

Codependentes Anônimos: http://www.codabrasil.org.br

terça-feira, 26 de abril de 2011

Música também cura



Por Roberta de Medeiros

 
Os sons podem acalmar ou gerar pânico. Podem causar sonolência ou despertar paixões. Ou ainda nos deixar tensos ou enlevados. Enfim, são capazes de detonar uma cascata de reações que alteram o estado geral do organismo. É o caso do som perturbador de uma sirene, que nos põe em alerta, e faz com que o corpo libere adrenalina para se proteger de uma possível ameaça. 

A terapia através da música – a musicoterapia – se baseia justamente nesse princípio: os sons produzem efeitos biológicos que podem tratar doenças, sejam elas físicas ou mentais. O uso de instrumentos, cantos e ruídos são recursos que têm sido usados com deficientes físicos, estudantes com dificuldade de aprendizagem, fala ou audição e usuários de drogas.

Não é crendice. A ciência mapeou o caminho que o som faz em nosso organismo: primeiro os sons alcançam os ouvidos e a seguir são convertidos em impulsos. Então, eles viajam pelos nervos auditivos até o tálamo, parte do cérebro que funciona como uma estação central das emoções. Ao serem processados pelo cérebro, os impulsos reverberam por todo o corpo. 

O resultado: uma série de respostas orgânicas. É como se nosso corpo adotasse uma cadência diferente. Claro, essa súbita mudança acaba por alterar padrões internos (sono e vigília, respiração, batimentos cardíacos, circulação sanguínea e secreções das glândulas). O que a terapia faz, portanto, é ensinar o corpo a “orquestrar” melhor a sinfonia interna que cada um de nós carrega. 


-Afinando o instrumento
“Viver é afinar um instrumento, de dentro para fora, de fora para dentro”. O trecho da música nos faz pensar que nossas emoções também soam a partir de pulsações rítmicas. Cada pessoa tem sua melodia, sua harmonia. Quando uma emoção rouba a cena, porém, dá-se o desarranjo. No caso, a terapia funciona como aqueles aparelhinhos que os musicistas trazem consigo para afinar o instrumento sempre que necessário.

“Há momentos em que as palavras não podem ser ditas ou nem se consegue mais dizê-las, então as canções falam a respeito dos sentimentos e vivências para eles mesmos (pacientes). Isso ajuda a processar perdas e aflições reprimidas”, diz a musicoterapeuta Sofia Cristina Dreher, que há cinco anos trabalha no atendimento de pacientes com câncer.

Em sua tese de mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC do Paraná, a pesquisadora e terapeuta defende que as canções são instrumento eficaz para trazer à tona sentimentos e impressões que evitamos trazer à consciência, que ficam bloqueados, mas que interferem decisivamente em nosso estado de espírito – são os sentimentos reprimidos. 

A partir de uma experiência tocante, ela narra o caso de uma paciente com câncer de pulmão internada no hospital São Lucas. “A paciente disse que não estava encontrando lugar para chorar em sua casa, que apenas o conseguia fazer, à noite, em seu quarto”, conta. A terapeuta, então, cochichou com ela, que fariam daquele lugar e daquele momento, um local para chorar, porque o choro faz bem.

Atualmente, a especialista trabalha no Oncocentro e atende cerca de 50 pacientes por mês. A duração da terapia varia, muitos morrem, alguns recebem tratamento por cerca de seis meses e outros lutam ao longo de anos. “Em geral, a primeira necessidade do paciente é falar, cantar algo que os leve daquele lugar, daquela situação”, conta ao lembrar sua experiência com pacientes durante as sessões de quimioterapia.

Ela observa, porém, que os profissionais de saúde têm dificuldade em oferecer respaldo à dor emocional dos pacientes. “Esses profissionais não são preparados para lidar com a dor emocional, e sim, com a dor física. Por vezes, os pacientes sentem uma angústia muito grande por não serem compreendidos na sua dor, uma vez que ela não se divide em dor física e emocional”, diz.


Publicado na revista Fato 


segunda-feira, 11 de abril de 2011

Falando da vida alheia: o que está por trás da fofoca



Por Roberta de Medeiros

Basta um colega iniciar sua narrativa de intrigas sobre namoro, trabalho e problemas alheios que logo atrai a atenção de uma platéia sempre interessada.  "A fofoca nasce, brota, cresce e voa contra tudo o que nasce, brota, cresce e voa", escreve o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa em seu livro “Tratado Geral sobre a Fofoca”. Nele, descreve como somos vítimas e ao mesmo tempo agentes da fofoca.

Segundo Gaiarsa, a fofoca um dos fatores que mais influencia e modela as instituições sociais. Seria uma forma de as pessoas buscarem posição social perante as outras, ou seja, está diretamente ligada à insatisfação com a própria vida. “É a forma mais eficaz de as pessoas se vigiarem para manter o status da perseguição de todos contra todos", diz o psiquiatra.

A fofoca é pré-histórica. Há quem afirme que ela tenha sido de grande utilidade para nossos ancestrais ao longo da evolução: quem comia os alimentos corretos, escolhia para parceiro sexual os melhores reprodutores e estavam informados sobre o que acontecia ao seu redor, levavam vantagem sobre aqueles que não davam importância a essas  informações.

O interesse pela vida alheia recai sobre os famosos. Uma pesquisa feita pela Ipsos-Marplan, empresa especializada em estudos de marketing e consumo, mostra que pelo menos 38% da população no Brasil tem interesse por gente famosa. Segundo a pesquisa, 12% têm o hábito de ler revistas de fofocas. São mulheres (74%) das classes AB (54%) e pessoas de 20 a 34 anos (39%) que mais buscam esse tipo de entretenimento.

-Terapia
Na Itália, um manual da fofoca escrito pelas psicólogas Elena Mora e Luisa Ciuni deixa claro que se ocupar com a vida alheia pode ser uma excelente terapia. "A fofoca é um antídoto contra a monotonia e a solidão", afirmam as autoras. "É um importante instrumento de integração social. Consolida a participação num determinado grupo, alivia as tensões, o estresse acumulado e permite descarregar a agressividade. É um jogo entre realidade e ficção, que ajuda a conhecer a si mesmo”, dizem. 

O manual traz um estudo feito na Itália segundo o qual as mulheres gastam em média cinco horas por dia fofocando. No livro, as autoras dão dicas sobre como fofocar melhor e apontam os melhores lugares para rir da vida alheia. O salão do cabeleireiro, a academia de ginástica, festas de aniversários, casamentos e corredores de hospitais são alguns dos ambientes onde as mulheres podem fofocar.

A fofoca é uma forma de agressão coletiva, só que disfarçada. Quando uma pessoa comenta maliciosamente a vida de alguém tende a excluir e reprovar um certo grupo. “E nisso as pessoas que na frente fazem salamaleque, por traz todo mundo sabe, cortam a “casaca”, o que tem conseqüências até econômicas para quem foi fofocado. Isso é outra derivação da agressão, a gente faz de conta que é bonzinho e machuca quanto pode por baixo, indiretamente”, diz Gaiarsa.


quinta-feira, 7 de abril de 2011

A ciência explica como surgem grandes assassinos


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Por Roberta de Medeiros


A sociedade prepara o crime, o criminoso o comete. Até pouco tempo essa era basicamente essa a explicação para a conduta de grandes impostores e assassinos. Ou seja, o crime era visto como uma resposta de um certo grupo frente a um ambiente hostil, de violência, individualismo e competição. "É preciso matar para não morrer", era o pensamento atribuído ao criminoso.

Hoje, porém, a ciência tenta investigar a predisposição biológica para a criminalidade. Parece ser esse o caminho explorado por uma emergente teoria, a da genética da violência, defendida pelo professor Ricardo Flores, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em seu discurso feito no 51º Congresso Brasileiro de Genética, em Águas de Lindóia (SP).

Durante o congresso, ele afirmou que todos grandes assassinos teriam problemas no funcionamento do cérebro. Um ambiente de violência e perigo, por exemplo, faria com que uma das formas alternativas do gene ligado ao comportamento seja inibida. Isso seria o bastante para abalar o frágil equilíbrio entre as substâncias ligadas às emoções - os neurotransmissores.

Como se fossem mensageiras, essas substâncias levam informações de uma célula a outra no sistema nervoso. Graças à transmissão dessas informações pelas células nervosas até o cérebro, somos capazes de perceber estímulos, como um grito ou uma doce melodia, e interpretá-los como um sinal de perigo ou bem-estar, dor ou alegria, tensão ou relaxamento.

Uma das substâncias mais importantes é a serotonina, responsável pelo humor. O problema é que crianças que sofrem violência passam a produzir a substância numa escala bem maior. E as grandes descargas afetam a formação do cérebro, que é programado para que ela se torne fria e impiedosa em relação às pessoas.

Porém, crescer em um ambiente hostil, pura e simplesmente, não torna uma pessoa criminosa. O risco estaria na soma dos dois fatores, o ambiental e a predisposição genética. Quando somente um dos fatores aparece, porém, o comportamento transgressor dificilmente é registrado. Mas do contrário, a mistura seria decisiva.

Psicopatas

O comportamento criminoso estaria associado que os especialistas chamam de psicopatia (ou sociopatia). Em geral, o perfil de um psicopata é uma pessoa que sai à caça de novidades e que tem gosto pelo perigo. Não sente necessidade de fugir de situações de ameaça e tem pouca dependência da aprovação dos outros em relação à sua conduta. Ou seja, sua vontade é sua lei.

São pessoas manipuladoras, que têm dificuldade de sentir afeto e compaixão. São, portanto, incapazes de manter uma relação e de amar. Elas mentem, roubam, abusam, trapaceiam, negligenciam suas famílias e parentes, colocam em risco suas vidas e a de outras pessoas. Enfim, elas pensam que o outro não passa de um obstáculo a ser removido.

Estudos recentes mostram que esse tipo de comportamento estaria ligado à atividade diferenciada dos três principais neurotransmissores que atuam no cérebro - a dopamina, a serotonina e a noradrenalina. O balanceamento, para mais ou para menos, determinaria a personalidade de uma pessoa.

A psicologia moderna trabalha com três principais grupos de personalidades: o que busca novidades (extrovertidos), o que foge de ameaças (introvertidos) e o que tende ora para um lado e ora para o outro, de acordo com a recompensa obtida por sua conduta (considerado o mais comum).

O psicopata seria um extrovertido por natureza. O que corresponderia à alta atividade de dopamina (que leva à busca de novidade), baixa atividade de serotonina (relacionada à inibição e à fuga do perigo) e de noradrenalina (ligada à dependência de recompensa).
Publicado na revista Fato