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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Gustavo Teixeira fala sobre bullying


Por Roberta de Medeiros
Publicado na revista Psique
O bullying fazia parte da vida de Wellington Menezes de Oliveira, 23, que invadiu a escola Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, matou 12 alunos e se suicidou. Um colega de sua turma contou que ele falava sozinho, era humilhado por outros estudantes e permanecia sozinho no recreio. Ele era chamado de “suingue”, por andar mancando de uma perna. Os estudantes o apelidaram de Sherman, um nerd, personagem do filme “American Pie”. Meninas encarnavam muito nele. Passavam a mão e o chamavam de veadinho. Garotos amarravam o cadarço dele à mesa e um dia o jogaram na lixeira", lembra Rodrigo França um dos colegas de Wellington.
Alguns especialistas ventilam a hipótese do atirador possuir algum tipo transtorno mental, talvez desencadeado pelo estresse sofrido pelo bullying. A tragédia suscita a idéia de que algo precisa ser feito para mudar esse ambiente de violência na escola. Uma pesquisa realizada pela Pan Brasil em 2008 mostrou que 70% dos alunos de escolas brasileiras pesquisadas alegam terem sido vítimas de violência na escola, sendo que 84% consideraram a sua escola violenta. Os pesquisadores entrevistaram 12 mil estudantes.

Outro levantamento realizado pela Associação Brasileira Multidisciplinar de Proteção à Infância e à Adolescência em 2002 envolvendo quase seis mil alunos do sexto ao nono do ensino fundamental de 11 escolas do Rio de Janeiro, mostrou que 40,5% dos estudantes admitiram ter algum envolvimento com o bullying, sendo 16,9% como vítimas, 12,7% como agressores e 10,9% afirmaram serem vítimas e também agressores.

Pesquisas mostram que as vítimas de agressões na escola podem desenvolver depressão e transtornos de ansiedade, o que pode culminar em suicídio. E aqueles que praticam violência contra os colegas na escola podem apresentar transtornos de conduta na adolescência. Quem comenta essas questões é o psiquiatra Gustavo Teixeira, professor da Bridgewater Station University, em Massachusetts, Estados Unidos, e autor do “Manual Antibullying”, que acaba de ser publicado pela editora Best Seller.

Teixeira cursou Medicina nos Estados Unidos, onde aprendeu sobre programas escolares de inclusão de crianças com necessidades especiais. Especializou-se em Dependência Química na UFRJ e em Saúde Mental Infantil na Santa Casa do Rio de Janeiro. Pesquisador do comportamento infantil, ele tem se dedicado cada vez mais à aplicação de cursos para professores.

Psique- O fato de ter sido vítima de bullying explica a conduta de Wellington Menezes de Oliveira , que matou 12 alunos de uma escola do Rio de Janeiro?

O bullying isolado não é causa desse tipo de comportamento. Mas as agressões sofridas na escola podem ser o gatilho que desencadeou outras doenças psiquiátricas. No caso de Wellington, o bullying estava associado à esquizofrenia. Seus delírios estavam relacionados à temática escolar. Tudo indica que ele estava magoado com a escola, provavelmente não recebeu a ajuda que precisava.


Psique- O bullying está sempre relacionado com uma tentativa de estabelecer uma relação de poder em relação aos demais?

Gustavo- É importante lembrar que, por definição, o bullying se caracteriza pelo comportamento agressivo no ambiente escolar e acadêmico e essa relação de poder diante dos demais sempre está presente. Essa violência é sempre repetitiva e provoca sofrimento. São atos de agressão física, verbal, moral ou psicológica. No caso do bullying, assistimos uma relação desigual de poder em que um ou mais alunos tentam dominar e humilhar os demais. Vemos que crianças agressivas têm uma maior capacidade de manipular outras crianças, enquanto as vítimas são crianças que não conseguem pedir ajuda.


Psique- Quando alvo de bullying, meninos e meninas são afetados de formas diferentes?

Sim, normalmente os meninos são mais agressivos e partem para agressão física, enquanto o bullying nas meninas pode ser mais escondido, através de isolamento, exclusão, difamação.

Psique- Qual o perfil psicológico dos agressores e das vítimas?

Gustavo- Os agressores são crianças mais habilidosas na comunicação, têm facilidade de mobilizar outras crianças. Eles têm uma agressividade exacerbada, são fisicamente mais fortes, são muito autoconfiantes e podem até ser populares entre os colegas. Eles costumam confrontar pais e professores, são mais falantes e mais extrovertidos. O agredido tem poucos amigos, geralmente são tímidos, retraídos e mais fracos fisicamente. Eles podem apresentar rendimento ruim na escola, são solitários e passam o recreio sozinhos. Esses alunos têm um prejuízo muito grande auto-estima, eles não conseguem pedir ajuda, por medo ou por acreditar na impunidade, o que faz com que o problema continue. Essa postura passiva das vítimas, que respondem as agressões com choro, é visto como um sinal de que elas são alvos fáceis pelos agressores. Mas é certo que há exceções. Eu atendi um caso de uma criança que era vítima de bullying porque era a melhor aluna da sua turma, mas ela tinha uma dificuldade de comunicação que a impedia de pedir ajuda.

Psique- Quais os transtornos mentais desencadeados nas vítimas do bullying? O bullying pode trazer problemas psiquiátricos na adolescência?

Gustavo- O bullying pode funcionar como desencadeador de estresse e causar prejuízo da autoestima. As agressões sofridas na escola funcionam como um gatilho que desencadeia quadros psiquiátricos como a depressão e o transtorno de ansiedade em crianças que já têm predisposição genética para desenvolver esses distúrbios. É muito comum que essas crianças desenvolvam fobia escolar. Elas passam a ter um comportamento evitativo, apresentando queixas físicas antes que ir para escola, como dor de cabeça, dor de estômago, enjoo. Em casos extremos, o quadro pode culminar no suicídio.


Psique- Os agressores, quando impunes, têm maior risco de apresentar transtornos mais tarde?

Sim, estudos indicam que muitos agressores apresentam transtorno de conduta na adolescência. Esses estudantes apresentam mais chances de fazer uso abusivo de álcool e drogas, maior envolvimento em brigas e com o crime, podem andar armados, apresentar problemas com a justiça e atitudes delinqüentes.

Psique- O Sr. menciona que crianças que são ao mesmo tempo vítimas e agressores têm maior risco psicopatológico...

Gustavo- O bullying envolve vários personagens. Existem as crianças que são agressoras, as vítimas e as testemunhas, como há também aquelas que são ao mesmo tempo agressoras e vítimas. Geralmente são crianças mais impulsivas, o que nós chamamos de vítimas provocadoras. Elas irritam outros alunos, o que desperta a agressão de outras crianças. São agressivas tentam se vingar daqueles que as ataca.

Psique- O Sr diz que violência gera violência. Ou seja, crianças que são vítimas de humilhações e violência em casa tendem a repetir esse comportamento na escola...

Gustavo- Quando a criança é vítima de agressão em casa, ela pode aprender que o comportamento agressivo é normal. O pai, por exemplo, pode pedir à criança para bater nos demais, como se isso fosse natural. Crianças que vivem em lares pouco harmoniosos, marcados pela violência e com pouco diálogo têm maiores chances de desenvolvem um comportamento agressivo. A permissividade dos pais também pode gerar crianças desafiadoras, com comportamento agressivo na escola. A violência em casa pode favorecer o bullying, tanto no caso dos agressores, quanto no caso das vítimas, que são maltratadas pelos pais e que chegam à escola com a auto-estima muito prejudicada, o que a torna um alvo fácil em relação aos demais. 


Psique- O temperamento da criança opositiva e desafiadora também pode ter um componente genético, não é?

Gustavo- Tudo relacionado a nosso comportamento é genético. Um temperamento mais impulsivo e agressivo, o que predispõe a criança a ter um comportamento hostil no ambiente escolar. Já as crianças mais calmas e menos impulsivas estão mais predispostas a figurar como vítimas. 

Psique- O risco de tentativa de suicídio entre as vítimas é significativamente maior?

Gustavo- A literatura mostra que, muitas vezes, há uma questão psicopatológica envolvida nas tentativas de suicídio, como a depressão, que funciona como um gatilho para os pensamentos de morte a ideação suicida. As crianças alvos de bullying podem ainda apresentar insônia, baixa auto-estima e desenvolver transtornos de ansiedade. São crianças com níveis de estresse muito altos, o que prejudica seu rendimento na escola.

Psique- Qual o maior obstáculo para estimular a cultura pacifista na escola?

Gustavo- O maior desafio é conscientizar pais e educadores sobre o bullying, de modo que eles possam estimular nas crianças valores éticos, o respeito às diferenças. E mostrar a esses agentes o quanto é importante combater o bullying.


Psique- É válido ensinar esportes de luta para que a criança alvo de agressão possa se defender?

Gustavo- Sim. Esportes coletivos podem ajudar na socialização das crianças mais retraídas, estimulando valores como o respeito à hierarquia, à moral e à ética, além de melhorar a auto-estima. O objetivo dos esportes de luta não é tornar o aluno apto à briga, mas desenvolver a autoconfiança, lembrando que o agressor procura crianças inseguras. Noto que os professores de educação física são habilidosos quando se tem em mente incluir crianças como dificuldades de comunicação.

Psique - É comum os pais aumentarem o isolamento dos filhos na tentativa de protegê-los das agressões...Essa superproteção é prejudicial?

Gustavo- É importante que os pais tenham em mente que essas crianças vítimas de bullying têm uma dificuldade de interação social. Tanto os pais quanto professores devem, ao contrário, estimular a socialização. Isolar na tentativa de proteger pode ser até pior, estimulando o bullying.

Psique- Como foi sua experiência no trabalho com adolescentes em escolas fora do país?
Trabalho há dez anos com saúde mental na infância e ofereço palestras sobre bullying. Notei que o tema despertava muito interesse entre os educadores, que não sabiam como proceder em relação a esse problema. Daí surgiu o meu projeto, o Manual Antibullying, com a proposta de oferecer um suporte tanto para pais, quanto para educadores. No exterior, há um grande interesse dos pesquisadores em relação ao bullying. Há programas nas escolas para conscientizar pais e educadores sobre os impactos negativos do bullying.

Conseqüências do bullying para as vítimas

-Desinteresse pelos estudos
-Prejuízo acadêmico
-Reprovação escolar
-Mudanças sucessivas de escolas
-Abandono escolar
-Estresse
-Insegurança
-Medo
-Problemas de auto-estima
-Isolamento social
-Insônia
-Ansiedade
-Fobia escolar
-Depressão
-Suicídio

Conseqüência para os agressores

-Uso abusivo de álcool e outras drogas
-Maior envolvimento em brigas corporais
-Criminalidade
-Posso de armas
-Problemas com justiça
-Atos delinqüentes
-Furtos
-Agressões
-Destruição do patrimônio público
-Repetição do comportamento na faculdade e no trabalho


O que os pais podem fazer:

-Conversar com o filho sobre bullying
-Mostrar a importância do respeito mútuo e de saber tolerar as diferenças de cada um
-Dizer que a violência deve ser evitada
-Tentar identificar as razões para o comportamento agressivo
-Procurar a escola e conversar com professores sobre o problema


Tipos de agressões:

-Física: bater, chutar, empurrar, derrubar, ferir, perseguir.
-Verbal: xingar, ameaçar, intimidar, gritar.
-Moral: amedrontar, apelidar, discriminar, humilhar, intimidar, dominar, tiranizar, excluir, assediar e perseguir.
-Sexual: assediar, insinuar, abusar e violentar.


Como identificar se um aluno está sendo alvo de bullying

-Conquista poucos amigos
-Passa tempo do recreio sozinho
-Chega em casa chorando sem explicar o motivo
-Tem medo de ir à escola
-Chega em casa com o material destruído
-É xingado, ridicularizado ou recebe apelidos pejorativos na escola
-Tem machucados, arranhões, roupas rasgadas, manchadas de giz ou caneta
-É agredido fisicamente, mas não é capaz de se defender
-Está envolvido em brigas levando sempre a pior
-É excluído das brincadeiras
-Apresenta uma queda no rendimento escolar
-Parece estar sempre infeliz e desmotivado para escola
-Fica inseguro nos momentos que antecedem sua ida à escola
-Prefere a companhia dos adultos no recreio
-Mostra-se inseguro e ansioso na sala de aula
-Nunca apresentou nenhum amigo aos pais
-Nunca vai à casa dos colegas de escola
-Dorme mal e tem pesadelos com temática escolar


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Batalha contra o espelho

Por Roberta de Medeiros

As cirurgias plásticas viraram uma obsessão do cantor americano Michael Jackson. As intervenções começaram em 84 e não pararam mais. Em uma entrevista concedida em 1993 à apresentadora americana Oprah Winfrey, o astro pop descreveu sua personalidade como perfeccionista e "nunca satisfeito com nada", incluindo sua aparência.  Jackson não está sozinho. Afinal, quem nunca se sentiu insatisfeito diante do espelho ao menos por um dia? Mas há quem confira dimensões extremas à conhecida fábula do patinho feio e transforme o próprio corpo num verdadeiro campo de batalha. São pessoas que sofrem de uma desordem psicológica chamada dismorfofobia ou transtorno dismórfico, que faz com que elas alimentem idéias irreais sobre a própria imagem corporal.
 
É o caso da engenheira química C., de 39 anos, que teve sérios problemas devido à excessiva preocupação com sua aparência física. Dizia que seu rosto se tornava flácido e que suas bochechas estavam prestes a desabar. Começou a se sentir insegura a ponto de não sair na rua sozinha. Deixou de dirigir, ficando a maior parte do tempo em casa. Passou a ter espasmos no rosto e deixou até mesmo de falar. Exames clínicos, porém, não mostraram qualquer alteração na pele ou no tônus muscular do rosto de C., mulher jovem e de boa aparência. Ainda assim ela persistia em suas queixas quanto à face.
O distúrbio foi relatado pela primeira vez pelo psiquiatra italiano Enrico Morselli, em 1886. À época, foi descrito como um sentimento de feiúra ou defeito no qual a pessoa sente que é observada por outras, embora sua aparência esteja dentro dos limites da normalidade. Por isso, o distúrbio recebeu o nome de “hipocondria da beleza”. Somente nos Estados Unidos o distúrbio atingiria cerca de 5 milhões de pessoas ou 2% da população. “Trata-se de uma certeza, muitas vezes delirante, de que uma parte do corpo não está OK. Enquanto a pessoa que alucina, inventa  o mundo, o delirante vê o mundo com outros olhos”, compara o neurologista Edson Amâncio, autor do livro “O Homem que Fazia Chover”, da editora Barcarola.
“Em geral, as queixas envolvem falhas imaginárias ou leves no rosto ou na cabeça, como acne, cicatrizes, rugas ou inchaço”, diz. Dificuldades sociais e conjugais ocorrem com as pessoas que têm o transtorno, dependendo do grau de gravidade, a ponto de terem sua vida completamente desestruturada. “O prejuízo pode ser resultado do tempo que se gasta com a atenção ao corpo, em detrimento de outros aspectos da vida, quase sempre negligenciados”,  diz Amâncio. “Quem sofre da doença se olha com freqüência no espelho ou em outras superfícies refletoras para checar a aparência, o que pode consumir muitas horas por dia numa atitude compulsiva bastante difícil de resistir”, diz o neurologista. Outros, ao contrário, esquivam-se de espelhos em uma tentativa não bem sucedida de diminuir o mal estar e a preocupação.
- Camuflagem
As queixas de quem tem preocupação exagerada com o corpo, entretanto, são vagas. Muitas pessoas evitam descrever seus defeitos em detalhes, podendo se referir à sua "feiúra" em geral. Essas pessoas tentam camuflar seus defeitos imaginários com óculos escuros, bonés, luvas ou roupas. O psiquiatra e psicoteraupeuta Geraldo Possendoro, professor da Unifesp, lembra que a crença de que algo está errado com o corpo pode extrapolar todos os limites. “A pessoa pode se queixar que os poros do nariz estão muito abertos, por exemplo. Muitas vezes não há defeito algum ou defeito é supervalorizado pelo paciente”, diz Possendoro, para quem o problema muitas vezes está associado à baixa auto-estima.
Os indivíduos com esse transtorno freqüentemente pensam que os outros estão observando o seu "defeito", o que pode levar a uma esquiva das situações sociais que, levada ao extremo, chega até ao isolamento social. “Esses pacientes com freqüência buscam e recebem tratamentos para a correção de seus defeitos imaginários, em uma peregrinação por diversos profissionais, principalmente cirurgiões plásticos, sem, no entanto, corrigir os supostos defeitos”, diz Possendoro.
Alguns especialistas chegam a questionar se a anorexia poderia ser um caso de dismorfofobia, já que os indivíduos supervalorizam o seu tamanho do seu corpo e se angustiam com seu defeito imaginado. Já Possendoro defende que o diagnóstico diferencial entre anorexia do transtorno dismórfico. “Na anorexia o paciente tem um daltonismo para o próprio corpo, ela se olha no espelho e se acha muito gorda. O aspecto mais importante do tratamento é fazer com que ela adquira a crença de que ela é daltônica de que ela não pode confiar na imagem que ela faz do próprio corpo”, explica. Ele lembra que o transtorno também não pode ser confundido com transexualismo, no qual a pessoa tem corpo de homem, mas sente-se uma mulher.
O tratamento inclui antidepressivos e psicoterapia. A literatura, no entanto, aponta a possibilidade do transtorno seja, na verdade, um delírio somático, isto uma crença irreal (e incorrigível pela argumentação) sobre o próprio corpo. “Nesse caso, o tratamento incluiria a administração de antipsicóticos associados a antidepressivos”, diz Possendoro. 
 “Quanto à história familiar, não existem dados que estabeleçam um padrão familiar claro do transtorno dismórfico corporal com outros transtornos psiquiátricos”, diz Amâncio.
-Narcisismo
Para a psiquiatra Magda Vaissman, professora da UFRJ, transtornos de personalidade como narcisista, obsessivo-compulsivo e borderline podem predispor à dismorfofobia. “É muito frequente que o transtorno esteja associado ao narcisismo. São pessoas que estão mais preocupadas consigo do que com o outro, como o mito de Narciso, que se apaixonou pela própria imagem. Do ponto de vista psicanalítico, é um problema na elaboração do narcisismo primário. No complexo de Édipo, a criança sai do narcisismo parar ir ao encontro do outro. Mas isso pode não ser bem elaborado, dando origem à personalidade narcisista”, explica.
Em outros casos, a dismorfofobia está relacionada ao transtorno obsessivo compulsivo, no qual a pessoa se entrega a uma série de rituais de verificação do corpo marcas e cicatrizes para afastar um pensamento incômodo ou intrusivo. A diferença do paciente com TOC e relação àquele que sofre de dismorfofobia é que no primeiro caso ele está de convencido de que o pensamento intrusivo que leva à compulsão não é verdadeiro, embora não consiga se libertar, enquanto no segundo caso, a preocupação com o corpo é quase um delírio.  “O quadro pode se apresentar como uma compulsão, no qual a pessoa segue uma série de rituais ou pode ocorrer ao nível do pensamento, que são as obsessões”, analisa.
Ela lembra que a vigorexia, uma espécie de dependência por exercícios físicos associada ao culto à imagem, pode ser uma variante da dismorfofobia. “A pessoa nunca está satisfeita com o corpo, acha que pode perder massa muscular, mergulha numa rotina extenuante de exercícios e muitas vezes recorre aos anabolizantes para manter o tônus muscular”, diz Magda.
-Cultura do belo
Uma entrevista feita com 162 homens e 184 mulheres feita pela divisão de psicologia do Hospital das Clínicas em São Paulo mostrou que 69% dos entrevistados passaram pelo menos uma hora por dia pensando que não têm uma boa imagem. Mas o que leva cada vez mais pessoas a um descontentamento tão grande com a própria imagem?
O transtorno pode ser reflexo de uma sociedade obsessivamente preocupada pela estética corporal, que vende corpos em outdoors. Essa mensagem é amplificada pelos meios de comunicação. “A nossa sociedade finge que transtorno não é um problema. Há um individualismo exacerbado, as pessoas vivem isoladas, as famílias são desestruturadas...A cultura do belo incentiva a competição, o indivíduo vive mergulhado numa sensação de fracasso, ele sente de que nunca vai chegar lá”,  afirma Magda.
 “O problema é que a maioria das pessoas com dismorfofobia não procura atendimento psiquiátrico, já que a sociedade incentiva a cultura do belo”, analisa Magda. Outro motivo que afasta dismórficos dos consultórios é que muitos preferem se entregar ao bisturi. Pesquisa feita pelo Instituto InterScience, revelou que 90% das mulheres e 65% dos homens afirmam sonhar com mudanças no próprio corpo. Do total, 5% já tinham feito alguma plástica e 90% já faziam planos de realizar a segunda. Entre aqueles que nunca fizeram uma cirurgia plástica, 30% declararam que esperavam ter coragem para realizá-la.

Um estudo feito pelo Observatoire Cidil des Habitudes Alimentaires (Ocha) em um universo de mil mulheres revelou que 86% delas se dizem insatisfeitas com suas medidas. Apenas 14% alegaram estar satisfeitas com o próprio corpo. O Brasil é o segundo no ranking dos países que mais realizam cirurgias plásticas, metade delas puramente estéticas – 40% lipoaspiração, 30% mamas, 20% face. A maioria foi realizada em pessoas de 20 a 34 anos. O número de jovens que colocaram próteses para "turbinar" os seios aumentou 300% nos últimos dez anos.

E não adianta o familiar contrariar o paciente que sofre do transtorno. “Quando mais oposição se faz, mas se cria uma resistência por parte do paciente. O ideal é não incentiva-lo. O que a família pode fazer é mostrar que há outros prazeres na vida, que não o culto ao corpo, e fazê-lo entender que ele sofre de uma doença”, aconselha Magda.
Essas pessoas podem apresentar fortes ideações suicidas. 13% dos pacientes psiquiatricos britânicos apresentam o transtorno. 75% das pessoas com dismorfofobia não se casam ou se divorciam, 70% tem ideações suicidas e 25% realmente se suicidam. 20,7% das pessoas que fazem cirurgias de rinoplastia tem um possível diagnóstico de dismorfofobia. Pesquisa feita pela Universidade de Utrech, na Holanda, mostra as mulheres que se submetem operações de implante mamário apresentam risco três vezes maior de cometer suicídio em relação às demais mulheres. 82,6/% das pessoas que sofrem o transtorno se sentem insatisfeitas com os resultados das cirurgias. Existe a crença de que a próxima intervenção será a última. E assim, entram num circuito no qual a insatisfação é cada vez maior. Muitos casos vão parar na Justiça.
O problema nos faz questionar sobre a ética no exercício do cirurgião plástico. “O cirurgião plástico deveria estar preparado para identificar a dismorfofobia. O ideal seria uma interação entre o cirurgião e o psiquiatra ou o psicoterapeuta. Muitas vezes o profissional faz a correção daquilo que é um grande incômodo para o paciente, e esse desconforto em relação à aparência se desloca para outra região do corpo”, observa Amâncio.

Transtornos obsessivos


Pacientes com transtornos obsessivos têm uma maior atividade em uma determinada região do cérebro, o córtex pré-frontal, o que os leva a ter a procedimentos de controle exagerados, como retornar a própria casa várias vezes para checar se o fogão ou o ferro de passar foram desligados. Ou seja, estão sempre em estado de alerta. Dos transtornos psiquiátricos, o que mais se assemelha em critérios diagnósticos com a fobia social é o transtorno dismórfico corporal. Em ambos, os pacientes apresentam ansiedade social elevada, esquiva de situações sociais e medo de crítica e comentários adversos sobre sua aparência. Isolamento social e falta de habilidade social geralmente estão presentes nos dois casos.

Heródutus

Transtorno dismórfico corporal é um novo nome para um velho transtorno. Ele 0tem sido descrito nas literaturas européia e japonesa por uma variedade de nomes. A primeira referência aparece na história de Herodutus, no mito da garota feia de Esparta, que era levada por sua enfermeira, todos os dias, ao templo para se livrar da sua falta de beleza e atrativos.
Neurose compulsiva

Emil Kraepelin (1856-1926), grande psiquiatra alemão, considerado o criados da moderna Psiquiatria devido às suas enormes contribuições científicas contidas ao longo das oito edições de seu Tratado de Psiquiatria, ocupou-se do tema dismorfofobia, introduzindo-o na oitava edição do “Tratado sob a Rubrica de Neurose Compulsiva”. Considerou a dismorfofobia como uma das formas clínicas da série de medos obsessivos que surgem do contato com outras pessoas. É desta forma que a dismorfofobia assemelha-se à timidez, ao medo de provas e à antropofobia, entre outros.

Homem dos Lobos
Entre os cacos clínicos publicados por Freud, o do paciente Serguéi Constantinovitch Pankejeff ficou conhecido como o “Homem dos Lobos”. Ele iniciou sua análise com Freud em 1910 e apresentava, entre outros sintomas, uma preocupação excessiva com a aparência de seu nariz. Antes de iniciar a análise com Freud, já havia feito vários tratamentos e se consultando também com os médicos Theodor Ziehen, de Berlim, e Emil Krapelein, de Munique. Esse histórico, com certeza, aumentou o interesse de Freud pelo caso, pois considerava esses dois importantes médicos como “rivais” de profissão.

Tipos de delírio
Alguns autores defendem que a dismorfofobia pode se apresentar como um tipo de delírio que se caracteriza pela presença de uma imagem distorcida em relação ao corpo. Conheça os tipos de delírio:
Delírio erotomaníaco
A pessoa acredita ser amada por uma pessoa que ocupada posição superior, como autoridades e artistas.
Delirio de grandeza
A pessoa está convencida de que tem ligação com personalidades importantes ou que tem um talento especial ou possui grande fortuna.
Delírio de ciúme
Sem motivo justo, a pessoa acredita que está sendo traída. Ela toma medidas extremas, às vezes tiranas, na tentativa de controlar o parceiro.
Delirio persecutório
É o tipo mais comum entre os paranóicos ou delirantes crônicos. O delírio costuma envolver a crença de estar sendo vítima de conspiração, traição, espionagem, perseguição.
Delírio somático
São formas de delírio em relação ao corpo.  Os mais comuns dizem respeito à convicção de que a pessoa tem deformações de certas partes do corpo.

Os outros transtornos somatoformes são:

O transtorno de somatização (historicamente chamado de histeria ou síndrome de Briquet) é um transtorno polissintomático que inicia antes dos 30 anos, estende-se por um período de anos e é caracterizado por uma combinação de dor, sintomas gastrintestinais, sexuais e pseudoneurológicos.
O transtorno somatoforme indiferenciado que caracteriza-se por queixas físicas inexplicáveis, com duração mínima de 6 meses, abaixo do limiar para um diagnóstico de transtorno de somatização.
O transtorno conversivo envolve sintomas ou déficits inexplicáveis que afetam a função motora ou sensorial voluntária, sugerindo uma condição neurológica ou outra condição médica geral. Presume-se uma associação de fatores psicológicos com os sintomas e déficits.
O transtorno doloroso caracteriza-se por dor como foco predominante de atenção clínica. Além disso, presume-se que fatores psicológicos têm um importante papel em seu início, gravidade, exacerbação ou manutenção.
A hipocondria é preocupação com o medo ou a idéia de ter uma doença grave, com base em uma interpretação errônea de sintomas ou funções corporais.
O transtorno dismórfico corporal é a preocupação com um defeito imaginado ou exagerado na aparência física.
O transtorno de somatização sem outra especificação é incluído para a codificação de transtornos com sintomas somatoformes que não satisfazem os critérios para qualquer um dos Transtornos Somatoformes.
Fonte: Psiqweb /G J Ballone
Critérios Diagnósticos Transtorno Dismórfico Corporal
A. Preocupação com um imaginado defeito na aparência. Se uma ligeira anomalia física está presente, a preocupação do indivíduo é acentuadamente excessiva.
B. A preocupação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
C. A preocupação não é melhor explicada por outro transtorno mental (por exemplo, a insatisfação com a forma e o tamanho do corpo na anorexia).



Violência anunciada

Por Roberta de Medeiros
O bullying fazia parte da vida de Wellington Menezes de Oliveira, 23, que invadiu a escola Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, matou 12 alunos e se suicidou. Um colega de sua turma contou que ele falava sozinho, era humilhado por outros estudantes e permanecia sozinho no recreio. Ele era chamado de “suingue”, por andar mancando de uma perna. Os estudantes o apelidaram de Sherman, um nerd, personagem do filme “American Pie”. Meninas encarnavam muito nele. Passavam a mão e o chamavam de veadinho. Garotos amarravam o cadarço dele à mesa e um dia o jogaram na lixeira", lembra Rodrigo França um dos colegas de Wellington.
Alguns especialistas ventilam a hipótese do atirador possuir algum tipo transtorno mental, talvez desencadeado pelo estresse sofrido pelo bullying. A tragédia suscita a idéia de que algo precisa ser feito para mudar esse ambiente de violência na escola. Uma pesquisa realizada pela Pan Brasil em 2008 mostrou que 70% dos alunos de escolas brasileiras pesquisadas alegam terem sido vítimas de violência na escola, sendo que 84% consideraram a sua escola violenta. Os pesquisadores entrevistaram 12 mil estudantes.

Outro levantamento realizado pela Associação Brasileira Multidisciplinar de Proteção à Infância e à Adolescência em 2002 envolvendo quase seis mil alunos do sexto ao nono do ensino fundamental de 11 escolas do Rio de Janeiro, mostrou que 40,5% dos estudantes admitiram ter algum envolvimento com o bullying, sendo 16,9% como vítimas, 12,7% como agressores e 10,9% afirmaram serem vítimas e também agressores.

Pesquisas mostram que as vítimas de agressões na escola podem desenvolver depressão e transtornos de ansiedade, o que pode culminar em suicídio. E aqueles que praticam violência contra os colegas na escola podem apresentar transtornos de conduta na adolescência. Quem comenta essas questões é o psiquiatra Gustavo Teixeira, professor da Bridgewater Station University, em Massachusetts, Estados Unidos, e autor do “Manual Antibullying”, que acaba de ser publicado pela editora Best Seller.

Teixeira cursou Medicina nos Estados Unidos, onde aprendeu sobre programas escolares de inclusão de crianças com necessidades especiais. Especializou-se em Dependência Química na UFRJ e em Saúde Mental Infantil na Santa Casa do Rio de Janeiro. Pesquisador do comportamento infantil, ele tem se dedicado cada vez mais à aplicação de cursos para professores.

Psique- O fato de ter sido vítima de bullying explica a conduta de Wellington Menezes de Oliveira , que matou 12 alunos de uma escola do Rio de Janeiro?

O bullying isolado não é causa desse tipo de comportamento. Mas as agressões sofridas na escola podem ser o gatilho que desencadeou outras doenças psiquiátricas. No caso de Wellington, o bullying estava associado à esquizofrenia. Seus delírios estavam relacionados à temática escolar. Tudo indica que ele estava magoado com a escola, provavelmente não recebeu a ajuda que precisava.


Psique- O bullying está sempre relacionado com uma tentativa de estabelecer uma relação de poder em relação aos demais?

Gustavo- É importante lembrar que, por definição, o bullying se caracteriza pelo comportamento agressivo no ambiente escolar e acadêmico e essa relação de poder diante dos demais sempre está presente. Essa violência é sempre repetitiva e provoca sofrimento. São atos de agressão física, verbal, moral ou psicológica. No caso do bullying, assistimos uma relação desigual de poder em que um ou mais alunos tentam dominar e humilhar os demais. Vemos que crianças agressivas têm uma maior capacidade de manipular outras crianças, enquanto as vítimas são crianças que não conseguem pedir ajuda.


Psique- Quando alvo de bullying, meninos e meninas são afetados de formas diferentes?

Sim, normalmente os meninos são mais agressivos e partem para agressão física, enquanto o bullying nas meninas pode ser mais escondido, através de isolamento, exclusão, difamação.

Psique- Qual o perfil psicológico dos agressores e das vítimas?

Gustavo- Os agressores são crianças mais habilidosas na comunicação, têm facilidade de mobilizar outras crianças. Eles têm uma agressividade exacerbada, são fisicamente mais fortes, são muito autoconfiantes e podem até ser populares entre os colegas. Eles costumam confrontar pais e professores, são mais falantes e mais extrovertidos. O agredido tem poucos amigos, geralmente são tímidos, retraídos e mais fracos fisicamente. Eles podem apresentar rendimento ruim na escola, são solitários e passam o recreio sozinhos. Esses alunos têm um prejuízo muito grande auto-estima, eles não conseguem pedir ajuda, por medo ou por acreditar na impunidade, o que faz com que o problema continue. Essa postura passiva das vítimas, que respondem as agressões com choro, é visto como um sinal de que elas são alvos fáceis pelos agressores. Mas é certo que há exceções. Eu atendi um caso de uma criança que era vítima de bullying porque era a melhor aluna da sua turma, mas ela tinha uma dificuldade de comunicação que a impedia de pedir ajuda.

Psique- Quais os transtornos mentais desencadeados nas vítimas do bullying? O bullying pode trazer problemas psiquiátricos na adolescência?

Gustavo- O bullying pode funcionar como desencadeador de estresse e causar prejuízo da autoestima. As agressões sofridas na escola funcionam como um gatilho que desencadeia quadros psiquiátricos como a depressão e o transtorno de ansiedade em crianças que já têm predisposição genética para desenvolver esses distúrbios. É muito comum que essas crianças desenvolvam fobia escolar. Elas passam a ter um comportamento evitativo, apresentando queixas físicas antes que ir para escola, como dor de cabeça, dor de estômago, enjoo. Em casos extremos, o quadro pode culminar no suicídio.


Psique- Os agressores, quando impunes, têm maior risco de apresentar transtornos mais tarde?

Sim, estudos indicam que muitos agressores apresentam transtorno de conduta na adolescência. Esses estudantes apresentam mais chances de fazer uso abusivo de álcool e drogas, maior envolvimento em brigas e com o crime, podem andar armados, apresentar problemas com a justiça e atitudes delinqüentes.

Psique- O Sr. menciona que crianças que são ao mesmo tempo vítimas e agressores têm maior risco psicopatológico...

Gustavo- O bullying envolve vários personagens. Existem as crianças que são agressoras, as vítimas e as testemunhas, como há também aquelas que são ao mesmo tempo agressoras e vítimas. Geralmente são crianças mais impulsivas, o que nós chamamos de vítimas provocadoras. Elas irritam outros alunos, o que desperta a agressão de outras crianças. São agressivas tentam se vingar daqueles que as ataca.

Psique- O Sr diz que violência gera violência. Ou seja, crianças que são vítimas de humilhações e violência em casa tendem a repetir esse comportamento na escola...

Gustavo- Quando a criança é vítima de agressão em casa, ela pode aprender que o comportamento agressivo é normal. O pai, por exemplo, pode pedir à criança para bater nos demais, como se isso fosse natural. Crianças que vivem em lares pouco harmoniosos, marcados pela violência e com pouco diálogo têm maiores chances de desenvolvem um comportamento agressivo. A permissividade dos pais também pode gerar crianças desafiadoras, com comportamento agressivo na escola. A violência em casa pode favorecer o bullying, tanto no caso dos agressores, quanto no caso das vítimas, que são maltratadas pelos pais e que chegam à escola com a auto-estima muito prejudicada, o que a torna um alvo fácil em relação aos demais. 


Psique- O temperamento da criança opositiva e desafiadora também pode ter um componente genético, não é?

Gustavo- Tudo relacionado a nosso comportamento é genético. Um temperamento mais impulsivo e agressivo, o que predispõe a criança a ter um comportamento hostil no ambiente escolar. Já as crianças mais calmas e menos impulsivas estão mais predispostas a figurar como vítimas. 

Psique- O risco de tentativa de suicídio entre as vítimas é significativamente maior?

Gustavo- A literatura mostra que, muitas vezes, há uma questão psicopatológica envolvida nas tentativas de suicídio, como a depressão, que funciona como um gatilho para os pensamentos de morte a ideação suicida. As crianças alvos de bullying podem ainda apresentar insônia, baixa auto-estima e desenvolver transtornos de ansiedade. São crianças com níveis de estresse muito altos, o que prejudica seu rendimento na escola.

Psique- Qual o maior obstáculo para estimular a cultura pacifista na escola?

Gustavo- O maior desafio é conscientizar pais e educadores sobre o bullying, de modo que eles possam estimular nas crianças valores éticos, o respeito às diferenças. E mostrar a esses agentes o quanto é importante combater o bullying.


Psique- É válido ensinar esportes de luta para que a criança alvo de agressão possa se defender?

Gustavo- Sim. Esportes coletivos podem ajudar na socialização das crianças mais retraídas, estimulando valores como o respeito à hierarquia, à moral e à ética, além de melhorar a auto-estima. O objetivo dos esportes de luta não é tornar o aluno apto à briga, mas desenvolver a autoconfiança, lembrando que o agressor procura crianças inseguras. Noto que os professores de educação física são habilidosos quando se tem em mente incluir crianças como dificuldades de comunicação.

Psique - É comum os pais aumentarem o isolamento dos filhos na tentativa de protegê-los das agressões...Essa superproteção é prejudicial?

Gustavo- É importante que os pais tenham em mente que essas crianças vítimas de bullying têm uma dificuldade de interação social. Tanto os pais quanto professores devem, ao contrário, estimular a socialização. Isolar na tentativa de proteger pode ser até pior, estimulando o bullying.

Psique- Como foi sua experiência no trabalho com adolescentes em escolas fora do país?
Trabalho há dez anos com saúde mental na infância e ofereço palestras sobre bullying. Notei que o tema despertava muito interesse entre os educadores, que não sabiam como proceder em relação a esse problema. Daí surgiu o meu projeto, o Manual Antibullying, com a proposta de oferecer um suporte tanto para pais, quanto para educadores. No exterior, há um grande interesse dos pesquisadores em relação ao bullying. Há programas nas escolas para conscientizar pais e educadores sobre os impactos negativos do bullying.

Conseqüências do bullying para as vítimas

-Desinteresse pelos estudos
-Prejuízo acadêmico
-Reprovação escolar
-Mudanças sucessivas de escolas
-Abandono escolar
-Estresse
-Insegurança
-Medo
-Problemas de auto-estima
-Isolamento social
-Insônia
-Ansiedade
-Fobia escolar
-Depressão
-Suicídio

Conseqüência para os agressores

-Uso abusivo de álcool e outras drogas
-Maior envolvimento em brigas corporais
-Criminalidade
-Posso de armas
-Problemas com justiça
-Atos delinqüentes
-Furtos
-Agressões
-Destruição do patrimônio público
-Repetição do comportamento na faculdade e no trabalho


O que os pais podem fazer:

-Conversar com o filho sobre bullying
-Mostrar a importância do respeito mútuo e de saber tolerar as diferenças de cada um
-Dizer que a violência deve ser evitada
-Tentar identificar as razões para o comportamento agressivo
-Procurar a escola e conversar com professores sobre o problema


Tipos de agressões:

-Física: bater, chutar, empurrar, derrubar, ferir, perseguir.
-Verbal: xingar, ameaçar, intimidar, gritar.
-Moral: amedrontar, apelidar, discriminar, humilhar, intimidar, dominar, tiranizar, excluir, assediar e perseguir.
-Sexual: assediar, insinuar, abusar e violentar.


Como identificar se um aluno está sendo alvo de bullying

-Conquista poucos amigos
-Passa tempo do recreio sozinho
-Chega em casa chorando sem explicar o motivo
-Tem medo de ir à escola
-Chega em casa com o material destruído
-É xingado, ridicularizado ou recebe apelidos pejorativos na escola
-Tem machucados, arranhões, roupas rasgadas, manchadas de giz ou caneta
-É agredido fisicamente, mas não é capaz de se defender
-Está envolvido em brigas levando sempre a pior
-É excluído das brincadeiras
-Apresenta uma queda no rendimento escolar
-Parece estar sempre infeliz e desmotivado para escola
-Fica inseguro nos momentos que antecedem sua ida à escola
-Prefere a companhia dos adultos no recreio
-Mostra-se inseguro e ansioso na sala de aula
-Nunca apresentou nenhum amigo aos pais
-Nunca vai à casa dos colegas de escola
-Dorme mal e tem pesadelos com temática escolar


sábado, 30 de julho de 2011

Ciúme doentio: entre a realidade e a fantasia

Por Roberta de Medeiros

As palavras são do crítico francês Roland Barthes: "Como homem ciumento eu sofro quatro vezes: por ser ciumento, por me culpar por ser assim, por temer que meu ciúme prejudique o outro, por me deixar levar por uma banalidade; eu sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum".

E nenhum de nós está imune – em um estudo populacional, todos os entrevistados responderam afirmativamente a uma pergunta que indica o ciúme (embora apenas 10% admitam que ele prejudica as relações). Justamente por ser comum, delimitar as fronteiras que separam o ciúme normal do anormal é uma tarefa bem delicada.

Mas há quem afirme que o ciúme normal é passageiro e específico, a desconfiança se baseia em fatos palpáveis. O ciúme patológico, por sua vez, estaria assentado em preocupações absurdas, sem qualquer fundamento ou ligação com a realidade – trata-se, portanto, de uma fantasia, um delírio.

O ciúme doentio pode se mostrar em três casos: na forma de ciúme prevalente (que surge como um traço isolado), de ciúme obsessivo (quando a pessoa tem idéia fixa na traição e não consegue parar de pensar nisso) e de ciúme delirante (a convicção fantasiosa de que a outra pessoa é infiel, ainda o fato não tenha qualquer nexo com a realidade).

No primeiro caso, o ciúme se manifesta como fantasias bastante cotidianas, que não trazem nada de bizarro ou esquisito. A pessoa pode acreditar que está sendo traída ou até que é amada à distância, etc. (A desconfiança se assemelha à convicção de se estar doente ou infectado por algum vírus, por exemplo). 

Quando o ciúme é obsessivo, a pessoa consome grande parte do dia ruminando uma só idéia: a possibilidade de estar sendo traída. Ela não tem certeza, mas a idéia persiste; acaba se sentindo culpada por investigar a pessoa amada a todo instante, tenta por fim à sua compulsão, mas não consegue.

Já ciúme delirante é, possivelmente, o mais exuberante de todos. Enquanto o ciumento clássico se concentra na pessoa amada e no medo de perdê-la, o delirante mantém seu foco na existência um suposto rival (muitas vezes imaginário) – talvez por causa de um desejo velado de competir com ele.

Os delírios de ciúme aparecem em 16% das pessoas com paranóia. Por sua natureza, o ciúme doentio estaria mais ligado ao distúrbio psicótico (problemas psiquiátricos marcados por delírios e alucinações). Neste caso, a pessoa não desconfia, mas está convencida de que realmente foi traída, ainda que isso seja uma hipótese absurda.

Veja os tipos de delírio associados à paixão e ao ciúme:

Erotomaníaco: a pessoa acredita que é amada por alguém de um nível social mais elevado do que ela, embora isso não passe de um delírio.

Grandioso: esse tipo de delírios faz o indivíduo acreditar que possui grande valor, conhecimento, sabedoria ou relação com uma divindade ou pessoa famosa.

Ciumento: delírios recorrentes de que o parceiro sexual é infiel, ainda que não haja nenhuma evidência que justifique tal desconfiança.

Persecutório: a pessoa acredita que ele (ou alguém do seu convívio) está sendo tratado injustamente – neste caso, o ciúme se assemelha à mania de perseguição.  

Tipo Somático: os delírios desse gênero fazem com que a pessoa alimente a crença de que possui algum defeito físico, isso faz com que ela se sinta rejeitada. 

Misto: delírios que mesclam os tipos mencionados, mas sem predomínio de qualquer um deles em especial.


-Intensidade não é termômetro
Ao contrário do que se supõe, não é a intensidade do ciúme que conta. O essencial é verificar o valor que a pessoa dá ao tema infidelidade e o papel que o ser amado tem em sua vida. Ou seja, a base do ciúme patológico estaria muito mais no seu aspecto absurdo, na sua irracionalidade, do que no seu excesso.

Quem tem ciúme doentio é uma bomba-relógio, sempre prestes a explodir. Seu modo de sentir o amor é destrutivo. As pessoas que sofrem de ciúme doentio, geralmente, são sensíveis e têm baixa auto-estima. Reagem às ameaças com um comportamento impulsivo, egoísta e agressivo.

Seja qual for o tipo, o ciúme está ligado ao sentimento de inferioridade e insegurança, transtornos psicológicos atuais ou anteriores, à uma experiência negativa envolvendo separação ou traição, relação de pouca confiança com os pais. Há ainda outros fatores que podem contribuir, como estresse.

-Ciúme e alcoolismo
Até pouco tempo, o ciúme era considerado um traço do alcoolismo. Associado à impotência sexual, o vício seria um importante fator que culminaria no sentimento de inferioridade e rejeição – e ao ciúme patológico, por tabela.  A incidência em alcoólatras é de 34%.

Pelo menos um elemento comum entre o alcoolismo e o ciúme é que os dois estão ligados à dependência. A diferença é que o primeiro caso diz respeito a uma dependência química, enquanto o segundo caso resulta da dependência afetiva. Os mecanismos cerebrais, porém, são similares. E um pode compensar o outro.









quinta-feira, 23 de junho de 2011

Sinal de perigo


Por Roberta de Medeiros
As primeiras alterações de comportamento que surgem antes de uma crise psicótica, são essenciais para uma intervenção precoce. É o que mostra a dissertação de mestrado defendida no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) pela psicóloga Nerícia Regina de Carvalho, que investigou como os leigos reagem às primeiras crises psicóticas de seus parentes. Ela observou que a intervenção da família no tratamento de um paciente é essencial na sua recuperação. E, quanto mais cedo os problemas forem identificados, mais eficaz o tratamento. Segundo a pesquisadora, a identificação dos sinais da doença pode interromper sua progressão ou facilitar o tratamento diminuindo as chances dela se tornar crônica.
A psicose é um distúrbio psiquiátrico grave no qual o paciente perde contato com a realidade, emite juízos falsos (delírios), podendo também ter percepções irreais quanto à audição, visão, tato (alucinações), distúrbios de conduta levando à impossibilidade de convívio social, além de outras formas bizarras de comportamento. Para Freud, as psicoses resultam de conflitos entre Ego e realidade (mundo externo), refletem o fracasso no funcionamento do Ego em permanecer leal à sua dependência do mundo externo e tentar silenciar o Id frente a uma frustração da não realização de um daqueles desejos de infância. Ainda segundo Freud, numa psicose existe a predominância do Id e a perda presente da realidade. Para Lacan, a psicose se estrutura a partir da presença de uma mãe onipotente, não havendo lugar para o pai. O psicanalista usa o termo foraclusão para explicar essa condição. Os psicóticos sofrem as conseqüências de tomar as palavras em sua literalidade. As palavras de tornam o objeto. A metáfora é impossível. 
A psicóloga lembra que, muitas vezes, o quadro apresentado pelo paciente denuncia relações familiares problemáticas. Diversos estudos têm mostrado que pacientes psicóticos geralmente estão inseridos em uma dinâmica familiar particular que propicia o surgimento da doença. Essas famílias teriam, por exemplo, a presença de uma mãe culpabilizadora e um pai passivo. Outra característica seria a dificuldade de verbalizar sentimentos na tentativa de negar os problemas. As dificuldades são percebidas com externos. Nesse caso, os outros seriam os culpados. Há ainda a precária expressão de afeição. As regras seriam muito duras e inflexíveis. O ponto de vista assumido pela família, muito rígido.
Nerícia investigou a relação de cinco pacientes e seis familiares para entender como eles reagiram durante o período entre a primeira manifestação e a busca por um especialista. Ela concluiu que as famílias tentaram de tudo antes de procurar ajuda especializada. Para os entrevistados, procurar o serviço médico foi a última opção. As estratégias para tentar solucionar o problema foram as mais diversas. Além de conversar com os pacientes, os familiares os vigiavam, para evitar que se machucassem ou incomodassem outras pessoas, rezavam e, em um caso especifico, davam litros de suco de maracujá para que o psicótico se acalmasse.
Entre os fatores de risco a história familiar de transtorno psicótico, personalidade vulnerável, fraco ajustamento, histórico de traumatismo crânio-encefálico, histórico de complicações obstétricas, traumatismo perinatais, estresse psicossocial,  abuso de drogas e alterações funcionais. Não é por acaso que os pacientes costumam entrar em crise quando estão na faixa de 15 a 30 anos. Essa é a época em que se faz a passagem da adolescência para a vida adulta, quando ocorrem mudanças cruciais em nossas vidas, como a saída de casa e o casamento.

Nerícia alerta para o fato de que nem toda crise psicótica irá evoluir para uma esquizofrenia. Porém, boa parcela das pessoas diagnosticadas com esquizofrenia tinha crise com pródomos. Geralmente há a presença de uma alteração no comportamento. Alguns sinais são suspeição, depressão, ansiedade, tensão, irritabilidade, alteração do humor, distúrbios do sono, alterações do apetite, perda de energia ou motivação, dificuldade de memória e concentração, percepção de que as coisas ao redor estão alteradas, crença de que os pensamentos estão acelerados ou lentos, deterioração do trabalho ou no estudo, interrupção do interesse em socializar, surgimento de crenças incomuns. Há ainda a presença de sintomas psicóticos positivos, como distúrbios do pensamento, delírios e alucinações.

Até os anos 1990, os profissionais de saúde mental costumavam trabalhar amparados pela crença de que era eticamente correto retardar o tratamento da psicose até a definição do diagnóstico ser estabelecida. Hoje, contudo, há mais evidência sugerindo a intervenção precoce. Esta ocorre num cenário de mudança de paradigma em saúde mental, que deixou considerar a internação a primeira medida para o tratamento da doença.


Quais são os pródomos que antecedem o surgimento da psicose?

Nerícia- Os pródromos constituem um período de transtorno não psicótico no comportamento ou na vivência do paciente, precedendo o surgimento da psicose. Eles podem ser reconhecidos e interromper a progressão da psicose ou facilitar o tratamento após seu surgimento. O termo "pródromo” vem do grego e significa aquilo que antecede um evento, é usado em dois momentos da esquizofrenia: a fase que precede o período inicial da psicose e a fase da doença que precede uma recaída. Alguns sinais são suspeição, depressão, ansiedade, tensão, irritabilidade, ira alteração do humor, distúrbios do sono, alterações do apetite, perda de energia ou motivação, dificuldade de memória e concentração, percepção de que as coisas ao redor estão alteradas, crença de que os pensamentos estão acelerados ou lentos, deterioração do trabalho ou no estudo, interrupção do interesse em socializar e surgimento de crenças incomuns. Há também os sintomas psicóticos positivos, como distúrbios do pensamento, delírios e alucinações. Percebemos nas pesquisas que o sujeito não era mais o mesmo. A maneira de responder corriqueiramente mudou. É verdade que esses sinais não aparecem somente na psicose. Na adolescência, por exemplo, existe um quadro muito instável. O mesmo vale para pessoas que experimentam uma situação de estresse no trabalho, por exemplo. Elas invariavelmente irão apresentar os mesmos sinais.


Até a década de 1990, a comunidade de serviços de saúde mental costumava trabalhar amparada pela crença de que era eticamente correto retardar o tratamento da psicose até a definição do diagnóstico. Hoje, contudo, há mais evidência sugerindo a intervenção precoce....

Nerícia- Quanto mais cedo a intervenção melhor para o paciente não perca a funcionalidade. Nos três primeiros anos depois do surgimento da primeira crise, caso não haja qualquer intervenção, a chance do quadro se cronificar é de 50%. A intervenção ajuda a família a reconhecer o contexto em que os sinais da doença ocorrem. É a partir da intervenção que é possível verificar se outro membro da família também precisa de atenção. Com isso, é possível oferecer apoio social, acionar vizinhos e outros membros da família do paciente e criar vínculos com o CAPS (Centro de Apoio Psicossocial) para que as crises tenham sua progressão detida. A intervenção precoce ocorre num cenário de mudança de paradigma em saúde mental, que deixou considerar a internação a primeira medida para o tratamento da doença. O filme Bicho de Sete Cabeças evidencia bem o processo manicomial, o afastamento forçado da família. Hoje sabemos que o melhor para o paciente é a recuperação em casa para que ele não perca o referencial da família. A gente tem visto as famílias relutarem bastante em procurar a internação. Procuram-na em casos extremos, quando paciente tenta o suicídio ou agride uma pessoa, ou seja, em casos quando ele representa uma ameaça para si mesmo ou para outras pessoas.

Essa mudança tem desdobramentos. Por exemplo, a necessidade de definir o que é psicótico. Existiria uma fronteira entre pré-psicótico e francamente psicótico. A linha divisória entre as duas classificações é tênue. Com estabelecer a diferença?

Nerícia - O meu estudo se debruça sobre os sinais que antecedem o comportamento psicótico. Nem todas as situações em que são identificados pródromos evoluem para uma crise psicótica. Contudo, a maior parte dos casos de pródromos em psicose acaba por evoluir par uma esquizofrenia. Os estudos dizem que 50% das pessoas que foram diagnosticadas com esquizofrenia tinham crise com pródomos, como insônia, irritação, perda de peso... São esses sinais que configuram o que muitos autores chamam de pré-psicótico. É verdade que o quadro depende do contexto. Algumas pessoas que estejam passando por uma separação, por exemplo, podem apresentar esses mesmo sinais. Por isso, é importante ponderar as circunstâncias em que esses sinais se apresentam. Já o psicótico, é popularmente aquele que vê ou ouve coisas. Essa pessoa pode ter doença mental, excluindo o caso de abuso de substâncias. Nesse caso, é importante fazer uma retrospectiva para fazer o diagnóstico e não rotular o paciente. A gente pretende se desvincular em diagnosticar. Há casos em que o sofrimento vai continuar e virar esquizofrenia, mas há também casos em que o paciente tem a crise e depois não apresenta mais problemas.

Estudos têm demonstrado que um tipo de dinâmica familiar está presente em considerável parte dos casos de esquizofrenia, como um nível de crítica e superproteção bastante elevados....

Nerícia - Percebemos que a comunicação entre as pessoas era muito truncada. Os papéis entre os familiares estão muito cristalizados, de forma que não se conseguia modificá-los. Nesse caso, a autonomia dos membros da família está comprometida. Não existe um espaço para expor a crítica sem causar danos maiores. Percebemos muito isso no “setting” terapêutico. O paciente acaba denunciando nesse momento o que não pode ser falado em família. É quando vem à tona algum segredo envolvendo um membro da família. Pode ser um familiar que se suicidou, um episódio do qual ninguém fala nada. Nessas famílias, nem sempre existe espaço para diálogo, não existe espaço para fazer algo errado ou fazer algo diferente. Isso faz com que as pessoas tenham um nível de estresse muito grande. Recebemos um caso de uma mãe que entrou numa crise psicótica. A filha mais velha passou a ocupar o lugar da mãe nas funções da casa. Durante o atendimento, tanto a filha quanto o pai sempre colocavam a mãe numa situação de falta de autonomia. O nosso papel era fazer com que essa mãe resgatasse o seu lugar.

Por que a sua pesquisa se concentrou nos sinais da esquizofrenia?

Nerícia - A esquizofrenia apresenta sinais clássicos do comportamento psicótico. É verdade que outros transtornos podem apresentar esses sinais. No momento da crise, é difícil fechar um diagnóstico, não se sabe se ela pode ou não se perpetuar. Os sintomas também podem aparecer e não se manifestar mais. Mas os estudos mostram que quando uma pessoa tem uma crise psicótica, ela tende a encaminhar para esquizofrenia.

Quais fatores de risco para psicose?

Nerícia - A idade entre 15 e 30 anos, sexo masculino, já ter personalidade pré-mórbida, alteração do comportamento, história familiar de transtorno psicótico, personalidade vulnerável e fraco ajustamento.

Psique- Na hora de fazer o diagnóstico, há larga utilização dos sintomas positivos. Parece que eles desempenham papel primordial  na detecção da patologia?

Nerícia - Os chamados sintomas positivos, como alucinação e delírio contam. Mas outro aspecto importante é a diminuição da funcionalidade do paciente. Quando ele não consegue desempenhar os papéis que normalmente desempenhava.

A intervenção precoce visa reduzir a incapacidade, em longo prazo, e os custos humanos e econômicos associados à doença. Quais as vantagens da intervenção precoce?

Nerícia - As estratégias de prevenção precoce pretendem limitar a duração da psicose antes do tratamento e prevenir recaídas. As maiores vantagens da intervenção precoce incluem a menor morbidade, recuperação mais rápida, melhor prognóstico, preservação das capacidades psicossociais, preservação do apoio familiar, menor necessidade de internação.

Quais os pontos-chave a serem considerados na triagem de pacientes apresentando possível quadro de psicose?

Nerícia - Essa foi uma questão bastante debatida durante meu estudo. A funcionalidade é uma questão importante, a forma que a pessoa é afetada em sua vida familiar e profissional. Atendemos, por exemplo, uma mulher que via e ouvia outras pessoas, mas para ela isso não era um problema. As maiores dificuldades era o relacionamento com a mãe, a continuidade atividades escolares, a presença de depressão e o uso de substâncias. O essencial, nesse caso, é investigar bastante para poder agir. Se a pessoa não sente que o fato de ouvir vozes é um problema, como proceder? Algumas pessoas simplesmente não queriam mais atendimento depois de atingir uma melhora do quadro com medicamento. Elas não queriam fazer terapia.

Quais as maiores dificuldades no reconhecimento da psicose?

Nerícia - O mais difícil é saber como o paciente lida com suas crenças, em especial, a religiosa. Outra dificuldade é o fato de a família não aceitar e  não admitir que está em crise. Muitas famílias, por exemplo, definem a doença como depressão, quando na verdade é uma psicose. É uma tentativa de suavizar o problema, ela não quer dizer que o familiar é psicótico.

Quais os sentimentos relatados pela família após o diagnóstico de doença mental. Como trabalhar esses sentimentos?

Nerícia - Os sentimentos incluem negação, tristeza, culpa, medo da estigmatização, confusão, fracasso vergonha e raiva. A vergonha pode levar as famílias a resistir à internação ou ao início do tratamento, negando que o paciente esteja doente. Podem ainda perder o contato com outros familiares e amigos. A família pode se sentir culpada por não ter procurado um médico antes. Os familiares não se vêm como agentes modificadores e não sabem como podem auxiliar o processo terapêutico. Eles simplesmente não acreditam que o familiar possa retomar a vida que tinha antes. Precisamos estar atentos para que esse sentimento de culpa não se cristalize. Financeiramente o paciente em crise é muito oneroso, a família tem que procurar diversos profissionais, mudar medicamentos e tomar uma série de medidas para que a pessoa possa retomar o convívio social. Muitas pessoas são demitidas por causa da crise. Existe, portanto, uma preocupação muito grande da família sobre como essa pessoa será vista pela sociedade.

A Srª diz  em sua dissertação que “aquele que chega ao clínico é expoente máximo da loucura familiar ou bode expiatório”. Ou seja, o paciente é aquele que se ocupa, por meio da doença, de preservar a integridade e o equilíbrio dos outros membros da família (homeostase familiar). Poderia explicar melhor essa afirmação?

Nerícia - Essa pessoa é aquela que denuncia o fato de que as outras da família também têm um problema. É a pessoa que pede ajuda. Nem sempre a família reconhece que está passando por um sofrimento. Uma vez atendemos uma determinada família, mas quando fomos acolher os outros membros, percebemos que estes tinham um sofrimento muito maior. É preciso deixar claro para a família que não pretendemos julgar. Vamos retomar a história daquela família pelos seus pontos crucias. Depois da situação de crise, você começa a perguntando como foi que aquele casal se conheceu e levanta as dificuldades que enfrentaram. Assim, investigamos fatos que fazem as pessoas reviverem os aspectos mais dolorosos de sua história.

Qual o perfil da família de um psicótico?

Nerícia - Há muitos estudos sobre isso. A literatura fala da presença de uma mãe culpabilizadora e um pai inadequado e passivo. Há ainda uma dificuldade muito grande de verbalizar os sentimentos. Entre as principais características, estão a tentativa de manter problemas escondidos ou negá-los. Os problemas são percebidos com externos, os outros são culpados ao invés de tentar descobrir a fonte do problema. Essas famílias são pouco tolerantes as pessoas de fora da família, a expressão de afeição é precária, a comunicação é muito ruim. Essas famílias possuem regras muito duras e inflexíveis e são incapazes de pedir ajuda. O ponto de vista assumido pela família é muito rígido. O membro da família não se sente à vontade para tomar o caminho que deseja porque o pai não deixa, por exemplo. Nessas famílias, há segredos que ficaram guardados, mas que de alguma maneira afeta o comportamento do paciente. Há uma série de situações sobre as quais a pessoa não pode falar. Há também uma dificuldade de lidar com situações inesperadas. Alguns estudos feitos depois da Segunda Guerra Mundial mostraram que havia várias famílias que ficaram apenas com um ou dois membros. Algumas conseguiram se adaptar à nova situação, outras não. É essa capacidade que as famílias de um psicótico não têm.

Nerícia Regina de Carvalho Oliveira é psicóloga clínica do Hospital de Urgência e Emergência Clemetino Moura - Socorrão II. Graduada pela Universidade Federal do Maranhão(UFMA), especialista em Bioética pela UnB, mestre em Psicologia Clínica pela UnB, doutoranda em psicologia Clínica e Cultura pela UnB. Há cinco anos membro do GIPSI-Grupo de Intervenção Precoce nas Psicoses. 

Publicado na revista Psique