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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Gustavo Teixeira fala sobre bullying


Por Roberta de Medeiros
Publicado na revista Psique
O bullying fazia parte da vida de Wellington Menezes de Oliveira, 23, que invadiu a escola Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, matou 12 alunos e se suicidou. Um colega de sua turma contou que ele falava sozinho, era humilhado por outros estudantes e permanecia sozinho no recreio. Ele era chamado de “suingue”, por andar mancando de uma perna. Os estudantes o apelidaram de Sherman, um nerd, personagem do filme “American Pie”. Meninas encarnavam muito nele. Passavam a mão e o chamavam de veadinho. Garotos amarravam o cadarço dele à mesa e um dia o jogaram na lixeira", lembra Rodrigo França um dos colegas de Wellington.
Alguns especialistas ventilam a hipótese do atirador possuir algum tipo transtorno mental, talvez desencadeado pelo estresse sofrido pelo bullying. A tragédia suscita a idéia de que algo precisa ser feito para mudar esse ambiente de violência na escola. Uma pesquisa realizada pela Pan Brasil em 2008 mostrou que 70% dos alunos de escolas brasileiras pesquisadas alegam terem sido vítimas de violência na escola, sendo que 84% consideraram a sua escola violenta. Os pesquisadores entrevistaram 12 mil estudantes.

Outro levantamento realizado pela Associação Brasileira Multidisciplinar de Proteção à Infância e à Adolescência em 2002 envolvendo quase seis mil alunos do sexto ao nono do ensino fundamental de 11 escolas do Rio de Janeiro, mostrou que 40,5% dos estudantes admitiram ter algum envolvimento com o bullying, sendo 16,9% como vítimas, 12,7% como agressores e 10,9% afirmaram serem vítimas e também agressores.

Pesquisas mostram que as vítimas de agressões na escola podem desenvolver depressão e transtornos de ansiedade, o que pode culminar em suicídio. E aqueles que praticam violência contra os colegas na escola podem apresentar transtornos de conduta na adolescência. Quem comenta essas questões é o psiquiatra Gustavo Teixeira, professor da Bridgewater Station University, em Massachusetts, Estados Unidos, e autor do “Manual Antibullying”, que acaba de ser publicado pela editora Best Seller.

Teixeira cursou Medicina nos Estados Unidos, onde aprendeu sobre programas escolares de inclusão de crianças com necessidades especiais. Especializou-se em Dependência Química na UFRJ e em Saúde Mental Infantil na Santa Casa do Rio de Janeiro. Pesquisador do comportamento infantil, ele tem se dedicado cada vez mais à aplicação de cursos para professores.

Psique- O fato de ter sido vítima de bullying explica a conduta de Wellington Menezes de Oliveira , que matou 12 alunos de uma escola do Rio de Janeiro?

O bullying isolado não é causa desse tipo de comportamento. Mas as agressões sofridas na escola podem ser o gatilho que desencadeou outras doenças psiquiátricas. No caso de Wellington, o bullying estava associado à esquizofrenia. Seus delírios estavam relacionados à temática escolar. Tudo indica que ele estava magoado com a escola, provavelmente não recebeu a ajuda que precisava.


Psique- O bullying está sempre relacionado com uma tentativa de estabelecer uma relação de poder em relação aos demais?

Gustavo- É importante lembrar que, por definição, o bullying se caracteriza pelo comportamento agressivo no ambiente escolar e acadêmico e essa relação de poder diante dos demais sempre está presente. Essa violência é sempre repetitiva e provoca sofrimento. São atos de agressão física, verbal, moral ou psicológica. No caso do bullying, assistimos uma relação desigual de poder em que um ou mais alunos tentam dominar e humilhar os demais. Vemos que crianças agressivas têm uma maior capacidade de manipular outras crianças, enquanto as vítimas são crianças que não conseguem pedir ajuda.


Psique- Quando alvo de bullying, meninos e meninas são afetados de formas diferentes?

Sim, normalmente os meninos são mais agressivos e partem para agressão física, enquanto o bullying nas meninas pode ser mais escondido, através de isolamento, exclusão, difamação.

Psique- Qual o perfil psicológico dos agressores e das vítimas?

Gustavo- Os agressores são crianças mais habilidosas na comunicação, têm facilidade de mobilizar outras crianças. Eles têm uma agressividade exacerbada, são fisicamente mais fortes, são muito autoconfiantes e podem até ser populares entre os colegas. Eles costumam confrontar pais e professores, são mais falantes e mais extrovertidos. O agredido tem poucos amigos, geralmente são tímidos, retraídos e mais fracos fisicamente. Eles podem apresentar rendimento ruim na escola, são solitários e passam o recreio sozinhos. Esses alunos têm um prejuízo muito grande auto-estima, eles não conseguem pedir ajuda, por medo ou por acreditar na impunidade, o que faz com que o problema continue. Essa postura passiva das vítimas, que respondem as agressões com choro, é visto como um sinal de que elas são alvos fáceis pelos agressores. Mas é certo que há exceções. Eu atendi um caso de uma criança que era vítima de bullying porque era a melhor aluna da sua turma, mas ela tinha uma dificuldade de comunicação que a impedia de pedir ajuda.

Psique- Quais os transtornos mentais desencadeados nas vítimas do bullying? O bullying pode trazer problemas psiquiátricos na adolescência?

Gustavo- O bullying pode funcionar como desencadeador de estresse e causar prejuízo da autoestima. As agressões sofridas na escola funcionam como um gatilho que desencadeia quadros psiquiátricos como a depressão e o transtorno de ansiedade em crianças que já têm predisposição genética para desenvolver esses distúrbios. É muito comum que essas crianças desenvolvam fobia escolar. Elas passam a ter um comportamento evitativo, apresentando queixas físicas antes que ir para escola, como dor de cabeça, dor de estômago, enjoo. Em casos extremos, o quadro pode culminar no suicídio.


Psique- Os agressores, quando impunes, têm maior risco de apresentar transtornos mais tarde?

Sim, estudos indicam que muitos agressores apresentam transtorno de conduta na adolescência. Esses estudantes apresentam mais chances de fazer uso abusivo de álcool e drogas, maior envolvimento em brigas e com o crime, podem andar armados, apresentar problemas com a justiça e atitudes delinqüentes.

Psique- O Sr. menciona que crianças que são ao mesmo tempo vítimas e agressores têm maior risco psicopatológico...

Gustavo- O bullying envolve vários personagens. Existem as crianças que são agressoras, as vítimas e as testemunhas, como há também aquelas que são ao mesmo tempo agressoras e vítimas. Geralmente são crianças mais impulsivas, o que nós chamamos de vítimas provocadoras. Elas irritam outros alunos, o que desperta a agressão de outras crianças. São agressivas tentam se vingar daqueles que as ataca.

Psique- O Sr diz que violência gera violência. Ou seja, crianças que são vítimas de humilhações e violência em casa tendem a repetir esse comportamento na escola...

Gustavo- Quando a criança é vítima de agressão em casa, ela pode aprender que o comportamento agressivo é normal. O pai, por exemplo, pode pedir à criança para bater nos demais, como se isso fosse natural. Crianças que vivem em lares pouco harmoniosos, marcados pela violência e com pouco diálogo têm maiores chances de desenvolvem um comportamento agressivo. A permissividade dos pais também pode gerar crianças desafiadoras, com comportamento agressivo na escola. A violência em casa pode favorecer o bullying, tanto no caso dos agressores, quanto no caso das vítimas, que são maltratadas pelos pais e que chegam à escola com a auto-estima muito prejudicada, o que a torna um alvo fácil em relação aos demais. 


Psique- O temperamento da criança opositiva e desafiadora também pode ter um componente genético, não é?

Gustavo- Tudo relacionado a nosso comportamento é genético. Um temperamento mais impulsivo e agressivo, o que predispõe a criança a ter um comportamento hostil no ambiente escolar. Já as crianças mais calmas e menos impulsivas estão mais predispostas a figurar como vítimas. 

Psique- O risco de tentativa de suicídio entre as vítimas é significativamente maior?

Gustavo- A literatura mostra que, muitas vezes, há uma questão psicopatológica envolvida nas tentativas de suicídio, como a depressão, que funciona como um gatilho para os pensamentos de morte a ideação suicida. As crianças alvos de bullying podem ainda apresentar insônia, baixa auto-estima e desenvolver transtornos de ansiedade. São crianças com níveis de estresse muito altos, o que prejudica seu rendimento na escola.

Psique- Qual o maior obstáculo para estimular a cultura pacifista na escola?

Gustavo- O maior desafio é conscientizar pais e educadores sobre o bullying, de modo que eles possam estimular nas crianças valores éticos, o respeito às diferenças. E mostrar a esses agentes o quanto é importante combater o bullying.


Psique- É válido ensinar esportes de luta para que a criança alvo de agressão possa se defender?

Gustavo- Sim. Esportes coletivos podem ajudar na socialização das crianças mais retraídas, estimulando valores como o respeito à hierarquia, à moral e à ética, além de melhorar a auto-estima. O objetivo dos esportes de luta não é tornar o aluno apto à briga, mas desenvolver a autoconfiança, lembrando que o agressor procura crianças inseguras. Noto que os professores de educação física são habilidosos quando se tem em mente incluir crianças como dificuldades de comunicação.

Psique - É comum os pais aumentarem o isolamento dos filhos na tentativa de protegê-los das agressões...Essa superproteção é prejudicial?

Gustavo- É importante que os pais tenham em mente que essas crianças vítimas de bullying têm uma dificuldade de interação social. Tanto os pais quanto professores devem, ao contrário, estimular a socialização. Isolar na tentativa de proteger pode ser até pior, estimulando o bullying.

Psique- Como foi sua experiência no trabalho com adolescentes em escolas fora do país?
Trabalho há dez anos com saúde mental na infância e ofereço palestras sobre bullying. Notei que o tema despertava muito interesse entre os educadores, que não sabiam como proceder em relação a esse problema. Daí surgiu o meu projeto, o Manual Antibullying, com a proposta de oferecer um suporte tanto para pais, quanto para educadores. No exterior, há um grande interesse dos pesquisadores em relação ao bullying. Há programas nas escolas para conscientizar pais e educadores sobre os impactos negativos do bullying.

Conseqüências do bullying para as vítimas

-Desinteresse pelos estudos
-Prejuízo acadêmico
-Reprovação escolar
-Mudanças sucessivas de escolas
-Abandono escolar
-Estresse
-Insegurança
-Medo
-Problemas de auto-estima
-Isolamento social
-Insônia
-Ansiedade
-Fobia escolar
-Depressão
-Suicídio

Conseqüência para os agressores

-Uso abusivo de álcool e outras drogas
-Maior envolvimento em brigas corporais
-Criminalidade
-Posso de armas
-Problemas com justiça
-Atos delinqüentes
-Furtos
-Agressões
-Destruição do patrimônio público
-Repetição do comportamento na faculdade e no trabalho


O que os pais podem fazer:

-Conversar com o filho sobre bullying
-Mostrar a importância do respeito mútuo e de saber tolerar as diferenças de cada um
-Dizer que a violência deve ser evitada
-Tentar identificar as razões para o comportamento agressivo
-Procurar a escola e conversar com professores sobre o problema


Tipos de agressões:

-Física: bater, chutar, empurrar, derrubar, ferir, perseguir.
-Verbal: xingar, ameaçar, intimidar, gritar.
-Moral: amedrontar, apelidar, discriminar, humilhar, intimidar, dominar, tiranizar, excluir, assediar e perseguir.
-Sexual: assediar, insinuar, abusar e violentar.


Como identificar se um aluno está sendo alvo de bullying

-Conquista poucos amigos
-Passa tempo do recreio sozinho
-Chega em casa chorando sem explicar o motivo
-Tem medo de ir à escola
-Chega em casa com o material destruído
-É xingado, ridicularizado ou recebe apelidos pejorativos na escola
-Tem machucados, arranhões, roupas rasgadas, manchadas de giz ou caneta
-É agredido fisicamente, mas não é capaz de se defender
-Está envolvido em brigas levando sempre a pior
-É excluído das brincadeiras
-Apresenta uma queda no rendimento escolar
-Parece estar sempre infeliz e desmotivado para escola
-Fica inseguro nos momentos que antecedem sua ida à escola
-Prefere a companhia dos adultos no recreio
-Mostra-se inseguro e ansioso na sala de aula
-Nunca apresentou nenhum amigo aos pais
-Nunca vai à casa dos colegas de escola
-Dorme mal e tem pesadelos com temática escolar


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