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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

EMT regulariza funcionamento cerebral



Roberta de Medeiros

O Conselho Federal de Medicina aprovou o uso clínico terapia conhecida como estimulação magnética transcraniana (EMT), que usa pulsos magnéticos para regularizar o funcionamento cerebral de pessoas com transtorno mental. A técnica consiste na liberação de uma certa quantidade de energia na área do cérebro afetada pela doença. No paciente sentado ou deitado, são colocados eletrodos, envolvidos em esponjas com soro fisiológico na região frontal da cabeça. O seu uso clínico deve ser restrito ao tratamento de depressão, transtorno bipolar, alucinações auditivas, esquizofrenia e planejamento neuro-cirúrgico.
 
No Brasil, a terapia vem sendo empregada apenas em pesquisas. Países como Estados Unidos, Canadá, Japão, Nova Zelândia e Egito, além de praticamente toda União Européia, já haviam aderido ao recurso. Os estudos sobre a estimulação magnética começaram nos anos 90 e tudo indica que será cada vez mais empregada. Há pesquisas que sinalizam os efeitos benéficos da técnica no tratamento de Parkinson, distonia, esclerose, epilepsia, enxaqueca, membro fantasma, insônia, dislexia, esquizofrenia, transtorno bipolar, síndrome do pânico e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
 
O método surge como alento para os pacientes com problemas neurológicos e psiquiátricos resistentes aos medicamentos. Além de ser uma maneira de evitar os efeitos colaterais dos remédios usados no tratamento dessas doenças. Os antidepressivos, por exemplo, podem causar disfunção erétil, ganho de peso, sonolência, náuseas e vômitos, diarreia e prisão de ventre. Estudos mostram que cerca da metade dos pacientes abandonam o tratamento em um ano devido aos efeitos colaterais. “Além disso, um em cada três pacientes continua deprimido mesmo depois de tomar adequadamente mais de quatro antidepressivos”, diz o psiquiatra André Russowsky Brunoni, do Hospital Universitário da USP.
 
O primeiro estudo brasileiro a mostrar que o método capaz de acelerar o tratamento contra depressão foi feito pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. A terapia é capaz de substituir a eletroconvulsoterapia (ECT), usada para ativar pontos do cérebro com a partir da corrente elétrica e indicada em casos de distúrbios mentais graves. A ECT, porém, causa efeitos indesejados, como dor, aumento da pressão arterial e da freqüência cardíaca.  Por isso, exige cuidados que poderiam ser dispensados com a estimulação magnética.

-Efeitos colaterais

Segundo o psiquiatra Marco Antônio Marcolin, coordenador do grupo de Estimulação Magnética Transcraniana, do Hospital das Clínicas da USP, a principal vantagem da estimulação magnética é que a terapia não apresenta efeitos colaterais. “Os pulsos magnéticos são aplicados sobre a cabeça do paciente atravessam o crânio sem causar dor. A técnica é indolor, não requer a aplicação de anestesia, não causa convulsão e melhora a memória”, diz.

O estudo envolveu 45 pacientes com depressão severa que cujos sintomas resistiram ao tratamento com remédio. Eles foram divididos em dois grupos: um recebeu sessões de estimulação magnética e o outro de ECT. Enquanto parte dos pacientes tomava antidepressivo, uma outra recebia placebo, uma espécie de remédio falso – porém, sem o conhecimento dos avaliadores. O resultado foi que todas as pessoas submetidas à estimulação magnética tiveram a ação do medicamento acelerada pela terapia. “O antidepressivo passou a surtir efeito logo na primeira semana de uso, enquanto o período normal de resposta do organismo seria de 3 a 8 semanas, em média”, explica Marcolin,

Os pulsos magnéticos foram aplicados em uma região do cérebro no lado esquerdo da cabeça, ao lado da testa e acima dos olhos, onde fica o dorso-lateral pré-frontal esquerdo. A região, do tamanho de uma moeda, está ligada ao raciocínio lógico e à memória de curto prazo. Estudos revelam que pessoas com depressão têm menor atividade nessa área. A terapia é aplicada com o uso de uma bobina pequena que recebe uma corrente elétrica alternada que é colocada sobre o crânio, na região do córtex. A mudança constante de orientação da corrente é capaz de gerar um campo magnético que atravessa alguns materiais, como a pele e os ossos. O tratamento é feito a partir de séries repetidas de estímulos em sessões que podem durar até 30 minutos.

-Vantagem

A vantagem da técnica é que os pulsos magnéticos podem ser focalizados em pequenas áreas do córtex, dependendo da geometria e da forma da bobina. Quando atingem o córtex motor, eles podem produzir uma resposta muscular. Mas a estimulação pode ser dirigida a várias regiões do córtex. Os resultados irão depender das funções envolvidas com a área escolhida, produzindo também reações cognitivas e emocionais. Exames de neuroimagem determinam qual ponto do cérebro precisa ser estimulado.

Para Marcolin, a estimulação magnética terá um importante papel no tratamento de dores crônicas, distúrbios de memória, e dependência de drogas. Há também indícios de que o método ofereça bons resultados no controle de alucinações auditivas, sintoma comum em esquizofrenia, e transtorno bipolar. “A terapia ainda pode ser usada no mapeamento do cérebro com o campo magnético para retirada de tumores”, acrescenta.

O psiquiatra brasileiro Moacyr Rosa, professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, lembra que a estimulação magnética não tem a intenção de provocar convulsões, como no ECT. “Habitualmente a estimulação magnética transcraniana não induz uma convulsão, isto é, o disparo repetido do próprio cérebro depois da estimulação inicial. Por isso, os pacientes recebem o tratamento acordados e sentados confortavelmente, sem nenhum incômodo”, afirma. Ele observa, porém, que existe um risco, a de convulsão acidental. Isso pode acontecer quando o paciente tem epilepsia ou faça uso de certos medicamentos.

-SUS
O Instituto de Psiquiatria da USP pretende pedir a inclusão da terapia entre os procedimentos pagos pelo Sistema Único de Saúde para tratamento gratuito de depressão. Seria uma alternativa para pacientes que teriam de desembolsar cerca de R$ 300,00 por cada uma das sessões em clínicas particulares. São necessárias 20 sessões para o tratamento da depressão.


-Décifit Cognitivo
Outro estudo da USP mostrou o benefício do tratamento para pacientes com déficit cognitivo. Foram estudados homens e mulheres com idade entre 60 e 74 anos e mais de quatro anos de escolaridade, que se queixavam de ter uma piora  da memória. Os participantes passaram por uma triagem para avaliação do estado cognitivo. Depois de 10 sessões de estimulação eles foram novamente avaliados por testes cognitivos.

Os problemas de memória podem estar associados a doenças degenerativas, embora isso não seja uma regra. Outras causas são a ansiedade e depressão, metamemória (pensamentos e crenças pessoais sobre a memória) e doenças neurológicas, como história de traumatismo craniano e acidente vascular cerebral. Outras condições que podem ocasionar déficit de memória é história de cirurgia cardíaca, desnutrição, déficit da atenção, efeitos colaterais de medicamentos  e deficiência de vitaminas do complexo B (tiamina, ácido fólico e vitamina B12).

A psiquiatra Hellen Marra, que coordena o estudo, diz que há um período de transição entre o envelhecimento normal e o diagnóstico de comprometimento cognitivo leve. Pessoas com comprometimentos leves da cognição podem progredir para quadros demenciais de forma mais rápida que as pessoas saudáveis. “É reconhecido que a maior proporção desses indivíduos continua estável ou mesmo reverte para a normalidade. É de grande importância a identificação desta ‘zona cinzenta’ em idosos, e se as queixas de memória indicam mudanças em relação ao desempenho prévio”, explica.

Hoje, há poucos recursos para o tratamento do déficit cognitivo. Embora não haja tratamento específico, é imprescindível o controle dos fatores de risco para doença cardiovascular, envolvendo o estilo de vida (atividade física e dieta) e uso adequados das medicações para controle de hipertensão, dislipidemia e diabetes.“As evidências de benefício com o uso de anti inflamatórios, vitaminas C e E, gingko biloba, selegilina são insuficientes”, alerta Hellen.

“Os resultados positivos estudo nos faz pensar na possibilidade de empregar a a terapia em outros distúrbios de memória, como em pacientes com Alzheimer. Há na literatura estudos preliminares apontando benefício, inclusive associando estimulação magnética ao treino cognitivo”, diz Hellen.

-Depressão em gestantes
O Instituto de Psiquiatria da USP também pretende avaliar a eficácia do tratamento em gestantes que sofrem de depressão. Serão selecionados dois grupos de 20 gestantes, um deles receberá placebo e o outro, estimulação por ondas magnéticas. Serão 20 sessões por um mês. Normalmente, as gestantes que sofrem de depressão são medicadas com antidepressivo, sedativos e estabilizadores de humor, dependendo do quadro.

Os especialistas, entretanto, alertam para a possibilidade da medicação causar problemas de malformação do feto. “É preciso avaliar o risco benefício do uso da medicação no caso de gestantes. Ainda são escassos os estudos que demonstrem que esses medicamentos causem prejuízo na formação do bebê,  quase não há estudos controlados nesse grupo”, observa diz a psiquiatra Renata Sciorilli Camacho, responsável pela pesquisa.

“A estimulação é eficaz, porque é bem localizada, dirige-se diretamente a uma região específica do cérebro e não prejudica o feto. Além disso, o feto não estaria sendo exposto aos riscos existentes no uso da medicação”, explica. Há uma melhora cognitiva, que normalmente está prejudicada nos pacientes que sofrem de depressão. “Eles geralmente têm o raciocínio mais lento”, diz a psiquiatra.

A gestão na gravidez é algo que preocupa especialistas. As gestantes podem ter cuidados precários durante o pré-natal, com prejuízo para gravidez, redução do peso do feto, além do abuso de drogas, álcool e tabagismo. A depressão atinge cerca de 13% das gestantes. Nos Estados Unidos, cerca de 500.000 gestações são complicadas anualmente devido ao quadro depressivo das mães.

Sintomas comuns são tristeza excessiva e às vezes sem causa aparente, desânimo, cansaço, falta de vontade para as atividades diárias, choro fácil, insônia, alterações do apetite. “As gestantes que apresentam estes sintomas devem procurar ajuda médica, pois além do prejuízo nos cuidados pessoais e pré-natais, apresentam uma chance maior de desenvolverem a depressão pós-parto”, alerta a psiquiatra.

-Dislexia

Tudo em indica que a terapia também apresente bons resultados em crianças com dislexia, um distúrbio neurobiológico de funcionamento do cérebro que afeta a leitura, a escrita e a soletração. É o que revela um estudo da USP em parceria com a Unicamp. Foram estudadas crianças de 7 a 12 anos. Elas tiveram o cérebro mapeado por exames de neuroimagem, que mostraram uma falha de ativação de uma determinada região do cérebro. “Em uma única sessão houve melhora no processamento de leitura e linguagem”, comemora Marcolin. Esta foi a primeira pesquisa do gênero feita no mundo. Seus resultados foram mostrados no Congresso de Paris em 2010. A próxima  etapa do estudo será ampliar o número de crianças estudadas.

-Efeitos adversos

O receio dos pesquisadores é que a estimulação possa causar algum prejuízo à função cognitiva. O uso de baterias neuropsicológicas nos estudos de estimulação magnética em pacientes com depressão, porém, tem fornecido dados valiosos quanto à segurança dessa técnica. Esses estudos mostram que essa terapia é segura e pode, inclusive, aumentar a performance cognitiva dos pacientes submetidos ao tratamento com estimulação.

Artigo publicado na revista Psique

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