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quinta-feira, 23 de junho de 2011

Sinal de perigo


Por Roberta de Medeiros
As primeiras alterações de comportamento que surgem antes de uma crise psicótica, são essenciais para uma intervenção precoce. É o que mostra a dissertação de mestrado defendida no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB) pela psicóloga Nerícia Regina de Carvalho, que investigou como os leigos reagem às primeiras crises psicóticas de seus parentes. Ela observou que a intervenção da família no tratamento de um paciente é essencial na sua recuperação. E, quanto mais cedo os problemas forem identificados, mais eficaz o tratamento. Segundo a pesquisadora, a identificação dos sinais da doença pode interromper sua progressão ou facilitar o tratamento diminuindo as chances dela se tornar crônica.
A psicose é um distúrbio psiquiátrico grave no qual o paciente perde contato com a realidade, emite juízos falsos (delírios), podendo também ter percepções irreais quanto à audição, visão, tato (alucinações), distúrbios de conduta levando à impossibilidade de convívio social, além de outras formas bizarras de comportamento. Para Freud, as psicoses resultam de conflitos entre Ego e realidade (mundo externo), refletem o fracasso no funcionamento do Ego em permanecer leal à sua dependência do mundo externo e tentar silenciar o Id frente a uma frustração da não realização de um daqueles desejos de infância. Ainda segundo Freud, numa psicose existe a predominância do Id e a perda presente da realidade. Para Lacan, a psicose se estrutura a partir da presença de uma mãe onipotente, não havendo lugar para o pai. O psicanalista usa o termo foraclusão para explicar essa condição. Os psicóticos sofrem as conseqüências de tomar as palavras em sua literalidade. As palavras de tornam o objeto. A metáfora é impossível. 
A psicóloga lembra que, muitas vezes, o quadro apresentado pelo paciente denuncia relações familiares problemáticas. Diversos estudos têm mostrado que pacientes psicóticos geralmente estão inseridos em uma dinâmica familiar particular que propicia o surgimento da doença. Essas famílias teriam, por exemplo, a presença de uma mãe culpabilizadora e um pai passivo. Outra característica seria a dificuldade de verbalizar sentimentos na tentativa de negar os problemas. As dificuldades são percebidas com externos. Nesse caso, os outros seriam os culpados. Há ainda a precária expressão de afeição. As regras seriam muito duras e inflexíveis. O ponto de vista assumido pela família, muito rígido.
Nerícia investigou a relação de cinco pacientes e seis familiares para entender como eles reagiram durante o período entre a primeira manifestação e a busca por um especialista. Ela concluiu que as famílias tentaram de tudo antes de procurar ajuda especializada. Para os entrevistados, procurar o serviço médico foi a última opção. As estratégias para tentar solucionar o problema foram as mais diversas. Além de conversar com os pacientes, os familiares os vigiavam, para evitar que se machucassem ou incomodassem outras pessoas, rezavam e, em um caso especifico, davam litros de suco de maracujá para que o psicótico se acalmasse.
Entre os fatores de risco a história familiar de transtorno psicótico, personalidade vulnerável, fraco ajustamento, histórico de traumatismo crânio-encefálico, histórico de complicações obstétricas, traumatismo perinatais, estresse psicossocial,  abuso de drogas e alterações funcionais. Não é por acaso que os pacientes costumam entrar em crise quando estão na faixa de 15 a 30 anos. Essa é a época em que se faz a passagem da adolescência para a vida adulta, quando ocorrem mudanças cruciais em nossas vidas, como a saída de casa e o casamento.

Nerícia alerta para o fato de que nem toda crise psicótica irá evoluir para uma esquizofrenia. Porém, boa parcela das pessoas diagnosticadas com esquizofrenia tinha crise com pródomos. Geralmente há a presença de uma alteração no comportamento. Alguns sinais são suspeição, depressão, ansiedade, tensão, irritabilidade, alteração do humor, distúrbios do sono, alterações do apetite, perda de energia ou motivação, dificuldade de memória e concentração, percepção de que as coisas ao redor estão alteradas, crença de que os pensamentos estão acelerados ou lentos, deterioração do trabalho ou no estudo, interrupção do interesse em socializar, surgimento de crenças incomuns. Há ainda a presença de sintomas psicóticos positivos, como distúrbios do pensamento, delírios e alucinações.

Até os anos 1990, os profissionais de saúde mental costumavam trabalhar amparados pela crença de que era eticamente correto retardar o tratamento da psicose até a definição do diagnóstico ser estabelecida. Hoje, contudo, há mais evidência sugerindo a intervenção precoce. Esta ocorre num cenário de mudança de paradigma em saúde mental, que deixou considerar a internação a primeira medida para o tratamento da doença.


Quais são os pródomos que antecedem o surgimento da psicose?

Nerícia- Os pródromos constituem um período de transtorno não psicótico no comportamento ou na vivência do paciente, precedendo o surgimento da psicose. Eles podem ser reconhecidos e interromper a progressão da psicose ou facilitar o tratamento após seu surgimento. O termo "pródromo” vem do grego e significa aquilo que antecede um evento, é usado em dois momentos da esquizofrenia: a fase que precede o período inicial da psicose e a fase da doença que precede uma recaída. Alguns sinais são suspeição, depressão, ansiedade, tensão, irritabilidade, ira alteração do humor, distúrbios do sono, alterações do apetite, perda de energia ou motivação, dificuldade de memória e concentração, percepção de que as coisas ao redor estão alteradas, crença de que os pensamentos estão acelerados ou lentos, deterioração do trabalho ou no estudo, interrupção do interesse em socializar e surgimento de crenças incomuns. Há também os sintomas psicóticos positivos, como distúrbios do pensamento, delírios e alucinações. Percebemos nas pesquisas que o sujeito não era mais o mesmo. A maneira de responder corriqueiramente mudou. É verdade que esses sinais não aparecem somente na psicose. Na adolescência, por exemplo, existe um quadro muito instável. O mesmo vale para pessoas que experimentam uma situação de estresse no trabalho, por exemplo. Elas invariavelmente irão apresentar os mesmos sinais.


Até a década de 1990, a comunidade de serviços de saúde mental costumava trabalhar amparada pela crença de que era eticamente correto retardar o tratamento da psicose até a definição do diagnóstico. Hoje, contudo, há mais evidência sugerindo a intervenção precoce....

Nerícia- Quanto mais cedo a intervenção melhor para o paciente não perca a funcionalidade. Nos três primeiros anos depois do surgimento da primeira crise, caso não haja qualquer intervenção, a chance do quadro se cronificar é de 50%. A intervenção ajuda a família a reconhecer o contexto em que os sinais da doença ocorrem. É a partir da intervenção que é possível verificar se outro membro da família também precisa de atenção. Com isso, é possível oferecer apoio social, acionar vizinhos e outros membros da família do paciente e criar vínculos com o CAPS (Centro de Apoio Psicossocial) para que as crises tenham sua progressão detida. A intervenção precoce ocorre num cenário de mudança de paradigma em saúde mental, que deixou considerar a internação a primeira medida para o tratamento da doença. O filme Bicho de Sete Cabeças evidencia bem o processo manicomial, o afastamento forçado da família. Hoje sabemos que o melhor para o paciente é a recuperação em casa para que ele não perca o referencial da família. A gente tem visto as famílias relutarem bastante em procurar a internação. Procuram-na em casos extremos, quando paciente tenta o suicídio ou agride uma pessoa, ou seja, em casos quando ele representa uma ameaça para si mesmo ou para outras pessoas.

Essa mudança tem desdobramentos. Por exemplo, a necessidade de definir o que é psicótico. Existiria uma fronteira entre pré-psicótico e francamente psicótico. A linha divisória entre as duas classificações é tênue. Com estabelecer a diferença?

Nerícia - O meu estudo se debruça sobre os sinais que antecedem o comportamento psicótico. Nem todas as situações em que são identificados pródromos evoluem para uma crise psicótica. Contudo, a maior parte dos casos de pródromos em psicose acaba por evoluir par uma esquizofrenia. Os estudos dizem que 50% das pessoas que foram diagnosticadas com esquizofrenia tinham crise com pródomos, como insônia, irritação, perda de peso... São esses sinais que configuram o que muitos autores chamam de pré-psicótico. É verdade que o quadro depende do contexto. Algumas pessoas que estejam passando por uma separação, por exemplo, podem apresentar esses mesmo sinais. Por isso, é importante ponderar as circunstâncias em que esses sinais se apresentam. Já o psicótico, é popularmente aquele que vê ou ouve coisas. Essa pessoa pode ter doença mental, excluindo o caso de abuso de substâncias. Nesse caso, é importante fazer uma retrospectiva para fazer o diagnóstico e não rotular o paciente. A gente pretende se desvincular em diagnosticar. Há casos em que o sofrimento vai continuar e virar esquizofrenia, mas há também casos em que o paciente tem a crise e depois não apresenta mais problemas.

Estudos têm demonstrado que um tipo de dinâmica familiar está presente em considerável parte dos casos de esquizofrenia, como um nível de crítica e superproteção bastante elevados....

Nerícia - Percebemos que a comunicação entre as pessoas era muito truncada. Os papéis entre os familiares estão muito cristalizados, de forma que não se conseguia modificá-los. Nesse caso, a autonomia dos membros da família está comprometida. Não existe um espaço para expor a crítica sem causar danos maiores. Percebemos muito isso no “setting” terapêutico. O paciente acaba denunciando nesse momento o que não pode ser falado em família. É quando vem à tona algum segredo envolvendo um membro da família. Pode ser um familiar que se suicidou, um episódio do qual ninguém fala nada. Nessas famílias, nem sempre existe espaço para diálogo, não existe espaço para fazer algo errado ou fazer algo diferente. Isso faz com que as pessoas tenham um nível de estresse muito grande. Recebemos um caso de uma mãe que entrou numa crise psicótica. A filha mais velha passou a ocupar o lugar da mãe nas funções da casa. Durante o atendimento, tanto a filha quanto o pai sempre colocavam a mãe numa situação de falta de autonomia. O nosso papel era fazer com que essa mãe resgatasse o seu lugar.

Por que a sua pesquisa se concentrou nos sinais da esquizofrenia?

Nerícia - A esquizofrenia apresenta sinais clássicos do comportamento psicótico. É verdade que outros transtornos podem apresentar esses sinais. No momento da crise, é difícil fechar um diagnóstico, não se sabe se ela pode ou não se perpetuar. Os sintomas também podem aparecer e não se manifestar mais. Mas os estudos mostram que quando uma pessoa tem uma crise psicótica, ela tende a encaminhar para esquizofrenia.

Quais fatores de risco para psicose?

Nerícia - A idade entre 15 e 30 anos, sexo masculino, já ter personalidade pré-mórbida, alteração do comportamento, história familiar de transtorno psicótico, personalidade vulnerável e fraco ajustamento.

Psique- Na hora de fazer o diagnóstico, há larga utilização dos sintomas positivos. Parece que eles desempenham papel primordial  na detecção da patologia?

Nerícia - Os chamados sintomas positivos, como alucinação e delírio contam. Mas outro aspecto importante é a diminuição da funcionalidade do paciente. Quando ele não consegue desempenhar os papéis que normalmente desempenhava.

A intervenção precoce visa reduzir a incapacidade, em longo prazo, e os custos humanos e econômicos associados à doença. Quais as vantagens da intervenção precoce?

Nerícia - As estratégias de prevenção precoce pretendem limitar a duração da psicose antes do tratamento e prevenir recaídas. As maiores vantagens da intervenção precoce incluem a menor morbidade, recuperação mais rápida, melhor prognóstico, preservação das capacidades psicossociais, preservação do apoio familiar, menor necessidade de internação.

Quais os pontos-chave a serem considerados na triagem de pacientes apresentando possível quadro de psicose?

Nerícia - Essa foi uma questão bastante debatida durante meu estudo. A funcionalidade é uma questão importante, a forma que a pessoa é afetada em sua vida familiar e profissional. Atendemos, por exemplo, uma mulher que via e ouvia outras pessoas, mas para ela isso não era um problema. As maiores dificuldades era o relacionamento com a mãe, a continuidade atividades escolares, a presença de depressão e o uso de substâncias. O essencial, nesse caso, é investigar bastante para poder agir. Se a pessoa não sente que o fato de ouvir vozes é um problema, como proceder? Algumas pessoas simplesmente não queriam mais atendimento depois de atingir uma melhora do quadro com medicamento. Elas não queriam fazer terapia.

Quais as maiores dificuldades no reconhecimento da psicose?

Nerícia - O mais difícil é saber como o paciente lida com suas crenças, em especial, a religiosa. Outra dificuldade é o fato de a família não aceitar e  não admitir que está em crise. Muitas famílias, por exemplo, definem a doença como depressão, quando na verdade é uma psicose. É uma tentativa de suavizar o problema, ela não quer dizer que o familiar é psicótico.

Quais os sentimentos relatados pela família após o diagnóstico de doença mental. Como trabalhar esses sentimentos?

Nerícia - Os sentimentos incluem negação, tristeza, culpa, medo da estigmatização, confusão, fracasso vergonha e raiva. A vergonha pode levar as famílias a resistir à internação ou ao início do tratamento, negando que o paciente esteja doente. Podem ainda perder o contato com outros familiares e amigos. A família pode se sentir culpada por não ter procurado um médico antes. Os familiares não se vêm como agentes modificadores e não sabem como podem auxiliar o processo terapêutico. Eles simplesmente não acreditam que o familiar possa retomar a vida que tinha antes. Precisamos estar atentos para que esse sentimento de culpa não se cristalize. Financeiramente o paciente em crise é muito oneroso, a família tem que procurar diversos profissionais, mudar medicamentos e tomar uma série de medidas para que a pessoa possa retomar o convívio social. Muitas pessoas são demitidas por causa da crise. Existe, portanto, uma preocupação muito grande da família sobre como essa pessoa será vista pela sociedade.

A Srª diz  em sua dissertação que “aquele que chega ao clínico é expoente máximo da loucura familiar ou bode expiatório”. Ou seja, o paciente é aquele que se ocupa, por meio da doença, de preservar a integridade e o equilíbrio dos outros membros da família (homeostase familiar). Poderia explicar melhor essa afirmação?

Nerícia - Essa pessoa é aquela que denuncia o fato de que as outras da família também têm um problema. É a pessoa que pede ajuda. Nem sempre a família reconhece que está passando por um sofrimento. Uma vez atendemos uma determinada família, mas quando fomos acolher os outros membros, percebemos que estes tinham um sofrimento muito maior. É preciso deixar claro para a família que não pretendemos julgar. Vamos retomar a história daquela família pelos seus pontos crucias. Depois da situação de crise, você começa a perguntando como foi que aquele casal se conheceu e levanta as dificuldades que enfrentaram. Assim, investigamos fatos que fazem as pessoas reviverem os aspectos mais dolorosos de sua história.

Qual o perfil da família de um psicótico?

Nerícia - Há muitos estudos sobre isso. A literatura fala da presença de uma mãe culpabilizadora e um pai inadequado e passivo. Há ainda uma dificuldade muito grande de verbalizar os sentimentos. Entre as principais características, estão a tentativa de manter problemas escondidos ou negá-los. Os problemas são percebidos com externos, os outros são culpados ao invés de tentar descobrir a fonte do problema. Essas famílias são pouco tolerantes as pessoas de fora da família, a expressão de afeição é precária, a comunicação é muito ruim. Essas famílias possuem regras muito duras e inflexíveis e são incapazes de pedir ajuda. O ponto de vista assumido pela família é muito rígido. O membro da família não se sente à vontade para tomar o caminho que deseja porque o pai não deixa, por exemplo. Nessas famílias, há segredos que ficaram guardados, mas que de alguma maneira afeta o comportamento do paciente. Há uma série de situações sobre as quais a pessoa não pode falar. Há também uma dificuldade de lidar com situações inesperadas. Alguns estudos feitos depois da Segunda Guerra Mundial mostraram que havia várias famílias que ficaram apenas com um ou dois membros. Algumas conseguiram se adaptar à nova situação, outras não. É essa capacidade que as famílias de um psicótico não têm.

Nerícia Regina de Carvalho Oliveira é psicóloga clínica do Hospital de Urgência e Emergência Clemetino Moura - Socorrão II. Graduada pela Universidade Federal do Maranhão(UFMA), especialista em Bioética pela UnB, mestre em Psicologia Clínica pela UnB, doutoranda em psicologia Clínica e Cultura pela UnB. Há cinco anos membro do GIPSI-Grupo de Intervenção Precoce nas Psicoses. 

Publicado na revista Psique


segunda-feira, 13 de junho de 2011

Pessimismo: quando um revés é encarado como uma grande tragédia

Por Roberta de Medeiros



Um ideólogo norueguês, Soren Kiekegaard, falava que a angústia é a vertigem da liberdade. Ele quis dizer que os sentimentos negativos que alimentamos quando algo sai errado nos faz prisioneiros de uma ótica viciada que não permite enxergar saídas possíveis – enfim, o pessimista patina, patina...e não desatola.

Enquanto a pessoa otimista pensa nos fatores externos que motivaram o problema e busca medidas que lhe permitam retomar o controle da situação, o pessimista sempre culpa a si mesmo, e fica de mãos atadas por causa desse sentimento. A postura é resultado de um desvio de comportamento, de uma alteração cerebral ou das duas coisas.

Na primeira situação, a pessoa pode ter nascido em uma família pessimista. Neste caso, ela está apenas reproduzindo um tipo de comportamento com o qual se acostumou. Já o pessimista crônico, sempre mal-humorado, sofre de uma alteração cerebral que o torna excessivamente crítico e melancólico.

Agradáveis ou não, os sentimentos, pensamentos e sensações têm uma expressão física. Eles são formados por impulsos eletroquímicos – um pensamento é feito de milhares deles! A viagem dos impulsos se dá pela rede de células cerebrais (neurônios) a partir da atividade de substâncias neurotransmissoras.

O mau-humorado crônico não tem o adequado aproveitamento de uma dessas substâncias, a serotonina, relacionada ao estado de humor e à afetividade. Quando ela está pouco disponível no espaço entre um neurônio e outro, a pessoa fica deprimida, irritada, violenta ou impulsiva.

-Tempestade em copo d’água
O resultado desta requintada dinâmica do cérebro é o mau-humor, que nos faz encarar um simples contratempo como uma tragédia. A pessoa que sofre do problema tende a encarar os obstáculos como algo permanente, acredita que o infortúnio viverá em sua história pessoal, como uma marca indelével.

Porém, ser otimista não significa assumir uma postura ingênua, como fazia a personagem Pollyanna, do romance de Eleanor Porter. Sempre que fica angustiada, a menina faz de tudo para mascarar o problema, um artifício que ela chama de “jogo do contente”.

O otimismo sugere a compreensão de que o fracasso é meramente circunstancial. O que nos lembra as palavras de Aldus Huxley (1894-1963), autor de “Admirável Mundo Novo”, um clássico da língua inglesa: “Experiência não é o que acontece com você, mas o que fez com o que lhe aconteceu”. 

Ele tem razão. Se as pessoas podem ser mau-humoradas por hábito, por que não é possível que se sintam OK também por hábito? A questão é que desde que pequenos aprendemos a manter ligados os maus pensamentos. Por exemplo: "Vai para o teu quarto e pensa sobre o que você fez de errado!", repreende a mãe.
E como uma bola de neve, as sensações destrutivas ganham maiores proporções. 

Por outro lado, o mesmo não acontece em relação às sensações prazerosas. É como se nós devêssemos tirar alguma lição dos tropeços e descartar a importância das vitórias. Aprendemos, por exemplo, que não devemos fazer alarde das conquistas, mas é certo que seremos punidos pelos deslizes.

-Buscando saídas
Como a nossa cultura tende a valorizar a expressão dos maus sentimentos, o primeiro passo é alterar essa lógica perversa. Sugestão: lembre-se de um bom sentimento. Pergunte-se: em quais ocasiões se sentiu desta forma? Então, mantenha ligadas estas lembranças. Ao se recordar de uma, poderá se recordar de todas as outras.

O que está por trás do simples exercício é o seguinte: da mesma maneira que nos programamos para a manter em foco os sentimentos negativos de modo intenso e persistente, também podemos ajustar nosso ponto de vista, fazendo como os sentimentos de prazer e conforto ganhem a cena. 

Publicado na revista Fato

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Loucos por sexo



 Por Roberta de Medeiros

Eles pensam em sexo o tempo todo. Têm relações com vários parceiros ou estão sempre lendo revistas pornográficas. Podem se masturbar com muita freqüência ou possuir fantasias sexuais nada comuns. Esses indivíduos são viciados em sexo, patologia semelhante à dependência por jogo ou drogas, mas ainda pouco estudada pela psiquiatria moderna.

O transtorno pode ser mais sério do que se imagina. Assim como nos EUA, especialistas acreditam que no Brasil os compulsivos sexuais sejam até 6% da população, o equivalente a cerca de 10 milhões de pessoas em um universo de 170 milhões. Para se ter uma idéia, esse total corresponde a toda população do Estado do Rio Grande do Sul.

Apesar da gravidade, não é tão fácil reconhecer um viciado em sexo. Esse tipo de compulsão passa despercebido por familiares, amigos e colegas, já
que não é a quantidade de relações sexuais que necessariamente irá definir a dependência, mas o estrago que o vício pode causar na vida da pessoa e o nível de controle que ela tem sobre seus impulsos.

Uma pesquisa feita pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) traçou um perfil do compulsivo sexual no Brasil. A pesquisa revelou que a idade média dos pacientes é de 34 anos. A escolaridade do grupo é muito alta: 37% têm terceiro grau completo, 30% têm segundo grau completo e 15% têm terceiro grau incompleto.

Em 54% dos pacientes analisados pela pesquisa foram apontados sintomas de transtornos psiquiátricos, como depressão ou ansiedade. Cerca de 58% apresentaram sintomas de parafilias como: exibicionismo (20%), voyeurismo (16%), masoquismo (8%) e pedofilia (4%).

Outros dados mostram que 41% dos pacientes analisados têm um parceiro fixo e que a média de parceiros sexuais de cada paciente chega ao patamar olímpico de 161 pessoas. Os prejuízos são de grandes dimensões. Os pacientes apontaram como principal área de prejuízo a profissional (60%), a pessoal (45%) e a familiar (16%).

O estudo ainda apontou que, em média, cada paciente tem um parceiro por semana (que pode ser o mesmo), pensa em sexo cinco vezes por dia, tem 2,4 relações sexuais por semana, masturba-se 9,3 vezes por semana e tem uma média de 11,7 orgasmos por semana.
A variação dos dados é grande. Da mesma forma que há pessoas que ficam felizes fazendo sexo uma vez por mês, outras querem fazê-lo dez ou mais vezes por dia. No dia da aplicação do questionário, eles estavam, em média, de 4 dias sem sexo e 2,3 dias sem se masturbar.

Segundo o psiquiatra e psicoterapeuta Aderbal Vieira Jr, responsável pelo ambulatório de tratamento do sexo patológico da Unifesp, os homens procuram mais ajuda do que as mulheres. Cerca de 90% dos pacientes são homens. “Não sabemos se as mulheres não procuram ajuda por questões morais”, observa.


Reposta química

Algumas correntes da psiquiatria acreditam que a resposta para dependência estaria na produção de uma substância natural chamada dopamina, que rege a sensação de prazer. Pessoas com menor produção da droga, estariam mais predispostas ao vício por tentar compensar a falta da substância a partir de estímulos externos.

Há ainda quem acredite que a compulsão seja apenas uma disfunção de comportamento. De qualquer forma, a orientação dos especialistas é que a pessoa busque o tratamento se não estiver satisfeita com o próprio comportamento sexual, mesmo que não apresente vício por sexo. O tratamento é medicamentoso e associado à psicoterapia.


AA

Graças a seu sucesso na recuperação de muitos alcoólatras, o AA passou a servir como modelo para o combate a outros tipos de dependência, inclusive ao sexo. A terapia dos grupos anônimos consiste em doze passos que o dependente deve seguir em busca da recuperação.

Nas reuniões dos Dependentes de Amor e Sexo Anônimos, cada participante fala por até sete minutos e ouve o relato de quem conseguiu superar a compulsão. Sobre uma mesa, uma placa adverte: Quem você vê aqui, o que você ouve aqui, deixe que fique aqui.


Serviço:

PROAD (Programa de Orientação e Atendimento a dependentes): consulta e orientação pelo telefone (11) 5579 1543.

 Publicado na revista Fato