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segunda-feira, 9 de maio de 2011

O que o cheiro tem a ver com o comportamento sexual?



Por Roberta de Medeiros

Sempre tem um cheirinho que faz a gente se lembrar de uma pessoa querida. Já percebeu? É normal, considerando que as emoções estão intimamente ligadas ao olfato. Estudos recentes vão mais longe, até defendem que existe um certo odor exalado pelo organismo que nos torna sexualmente atraídos pelo sexo oposto. E sequer pensamos direito na hora "h", porque a reação é automática. 

O artifício não é privilégio dos humanos - está presente em vertebrados em geral, e funciona como isca para fisgar possíveis parceiros sexuais. Quem diria, tudo indica que romance começa pelo faro! Se preferir, pense que temos um "sexto sentido". Isto, graças aos feromônios, sinais químicos produzidos pelo corpo e que podem ser detectados por um pequeníssimo órgão que fica no nariz e é responsável pela recepção desses sinais, trata-se do órgão vômero-nasal. 

Ele é uma estrutura importante no processamento de informações olfativas que não se tornam conscientes e que desencadeiam impulsos que levam ao sexo (sistema acessório). Lembre-se que um cão, por exemplo, tem o hábito de marcar seu próprio território! Paralelamente, há o epitélio olfatório. Ele que permite que sinais químicos sejam percebidos como um cheiro - e de modo consciente (sistema principal). 

Alguns estudos atestam que homens não têm o órgão vômero-nasal. Na melhor das hipóteses, as pesquisas mostram que a ele simplesmente não funciona. Isto é, por causa da evolução biológica, o órgão se tornou inativo em certos primatas. Se isso é mesmo verdade, por que ainda somos sensíveis ao feromônio? Tudo leva a crer que informação feromonal tomou uma outra rota para atuar no sistema nervoso. 

Em entrevista à Revista Fato, o neuroanatomista Judney Cley Cavalcante, doutorando em Ciências Morfofuncionais, pelo Departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, explicou como, afinal, o feromônio interfere na libido. Desde 2001, o pesquisador se dedica ao estudo das respostas neuroquímicas produzidas no cérebro de ratos em reação ao feromônio. O resultado das suas experiências será publicado pela "Physiology & Behavior", revista oficial da International Behavioral Neuroscience Society. 

Revista Fato- Por que os seres humanos ainda são sensíveis ao feromônio? 

JUDNEY C. CAVALCANTE- O fato dos seres humanos não terem o órgão vômero-nasal funcional e mesmo assim apresentarem alterações fisiológicas e comportamentais diante de feromônio sugere uma transferência de função do órgão vômero-nasal para o epitélio olfatório, ou seja, provavelmente o epitélio olfatório, além de transmitir informações relacionadas ao sentido do cheiro, ele também deve ser responsável pela transmissão da informação feromonal para a parte central do sistema nervoso, só não se sabe ainda de que forma, nem quais vias são utilizadas. 

REVISTA FATO- No caso dos homossexuais, como o feromônio é percebido? Dá para entender a preferência sexual por esse prisma? 

JUDNEY C. CAVALCANTE- Um estudo mostrou a irrigação [o fluxo sanguíneo] do cérebro de heterossexuais e homossexuais em resposta ao feromônio. A substância foi colocada debaixo do nariz deles, enquanto os exames de neuroimagem registravam quais as áreas do cérebro estavam mais ativas. Os heterossexuais que tiveram contato com o feromônio do sexo oposto apresentaram maior atividade nas áreas do cérebro ligadas ao prazer e ao bem-estar [a amígdala e o hipotálamo]. Quando eles foram expostos ao feromônio do mesmo sexo, o sinal químico foi interpretado como um cheiro. Mas a reação dos homossexuais foi oposta, eles tiveram uma resposta mais ligada ao prazer ao cheirar o feromônio do mesmo sexo. 

REVISTA FATO- Então a preferência sexual tinha a ver com uma resposta ao feromônio...Você concorda como essa maneira de entender o homossexualismo? 

JUDNEY C. CAVALCANTE- Eu acredito que o desenvolvimento da identidade sexual tem uma base neuronal muito forte sim, e até com uma modificação importante no sistema endócrino. Muita gente fica chateada porque acha que a ciência quer encontrar algo que justifique a atração entre pessoas do mesmo sexo, mas eu acho bem interessantes os estudos que tentam encontrar uma base biológica para a homossexualidade, não é uma questão de preconceito. 

REVISTA FATO- Além de despertar o impulso sexual, quais outros comportamentos produzidos pela exposição ao feromônio? O que há de novo neste sentido? 

JUDNEY C. CAVALCANTE- Algumas pesquisas investigam o papel do feromônio no comportamento agressivo e defensivo dos animais, mas ainda há pouca coisa sobre isso. Tudo o que se tem é em relação ao comportamento sexual e maternal. Os estudos mostram, por exemplo, que a percepção do feromônio ajuda a fêmea a reconhecer os filhotes. Quando o órgão vômero-nasal é lesado, a mãe aceita qualquer filhote, quando o normal seria rejeitar aquele filhote que não é seu. Isso foi testado em ratos e ovelhas. Neste caso, o papel do órgão vômero-nasal é o de inibir o comportamento maternal. Sabemos que em comparação a outros animais os seres humanos têm uma olfação bastante ruim, mas as mulheres também são capazes de identificar os filhos pelo cheiro. 

REVISTA FATO- Extratos de feromônio podem ajudar no tratamento de disfunções sexuais ou ser usado como afrodisíaco natural? Isso dá certo? 

JUDNEY C. CAVALCANTE- Já existem substâncias produzidas em laboratório. Em relação àqueles perfumes com feromônio, eu não sei se é enganação ou não, porque tudo o que tem sido descoberto nessa área é muito recente. O fato de ser publicado um artigo em uma revista científica, mesmo que seja uma revista séria, isso não significa que tudo seja verdade, que aquilo é inquestionável. É complicado. Antes de uma substância chegar ao mercado, ela tem de passar por uma série de procedimentos de controle. Eu acho que futuramente a substância pode ser fabricada em escala industrial, mas antes disso é preciso que haja um embasamento científico. 

REVISTA FATO- A produção do feromônio pode variar. E a sensibilidade? Ela também muda de um indivíduo para o outro? 

JUDNEY C. CAVALCANTE- Tão importante quanto a produção do feromônio é a sensibilidade que se tem a ele. Há uma série de circunstâncias que interferem na interpretação dos sinais químicos. As mulheres, por exemplo, elas respondem de maneiras diferentes ao odor masculino, dependendo da fase do ciclo menstrual. No período fértil, a maioria pode achar o odor agradável, em outro momento do ciclo o mesmo cheiro pode ser considerado desagradável. A sensibilidade varia de pessoa para pessoa, depende da intensidade do cheiro, etc. 

REVISTA FATO- Isso quer dizer que outros elementos podem influenciar a maneira com que a mulher vai perceber o odor? 

JUDNEY C. CAVALCANTE- Um trabalho mostrou que as mulheres expostas ao feromônio, elas tendiam a achar mais atraentes os rostos dos homens com traços bem masculinizados, com maxilar mais evidente, queixo grande, etc. Ou seja, existe uma série de questões envolvidas, como os próprios elementos da atratividade visual. É complicado saber o peso de cada um deles. E nem dá para controlar tantas variáveis em experiências com seres humanos. Como selecionar voluntários mais ou menos atraentes, por exemplo? É difícil chegar a uma resposta, porque isso é subjetivo e envolve uma questão cultural. Há uma série de dificuldades em se fazer experiências com humanos... 

REVISTA FATO- Um cheiro qualquer pode trazer à tona lembranças e sensações... No caso, o mecanismo responsável é diferente? 

JUDNEY C. CAVALCANTE- O feromônio tem um papel chave em relação ao humor, ao sistema endócrino e também é sensível aos estados inconscientes. No caso das lembranças que afloram com o cheiro, é uma outra estrutura do cérebro, o núcleo acumbens, que recebe as informações do sentido do olfato; esta parte do cérebro está ligada ao reforço, à memória e ao sistema de recompensa. Então, se uma experiência agradável foi relacionada a um odor, ele vai estar extremamente ligado àquela memória. E se uma pessoa é novamente colocada em contato com o cheiro, as reações se repetem de forma muito parecida com a circunstância que a originou. Isso também acontece com animais, e pode ser repetido em laboratório. 

REVISTA FATO- O seu estudo em laboratório diz respeito ao comportamento sexual, especificamente? 

JUDNEY C. CAVALCANTE- O que fazemos é estudar o que acontece com os neurônios de ratos a partir das reações com os feromônios e saber quais são as conexões mais usadas nestas reações. O estudo se concentra em uma área muito específica do hipotálamo, o núcleo pré-mamilar ventral. Ele também é importante na modulação do comportamento agressivo, mas não se sabe de que maneira isso acontece, se aumenta ou não a agressividade. Essa região do cérebro dos ratos têm receptores de leptina, um hormônio que tem o papel de regular a reserva energética [a quantidade de energia disponível para o desempenho das funções normais do organismo]. Os estudos mostraram que a leptina, além de promover alterações do comportamento alimentar, também está ligada às funções sexuais e à fertilidade, e provavelmente o núcleo pré-mamilar ventral seja uma região chave para a relação leptina-comportamento sexual. 

Entrevista  publicada na revista Fato

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Ouvindo vozes


Você já teve a nítida impressão de ouvir uma voz sem que houvesse qualquer pessoa à sua volta? Em uma pesquisa feita pela Universidade de Manchester, na Inglaterra, um grande número de entrevistados respondeu afirmativamente. Uma em cada 25 pessoas ouve vozes com uma certa freqüência.

A história está repleta de nomes famosos que ouviam vozes: Jesus, Sócrates, Galileu, Joana D´Arc, Pitágoras, William Blake, Carl Jung e Ghandi.

A experiência de ouvir vozes ou de ver “coisas” ocorreriam quando atribuímos equivocadamente pensamentos e imagens que são gerados por nossa própria mente a uma fonte externa. E, dependendo da freqüência e capacidade que a pessoa tem de lidar com a situação, essa vivência pode ser tomada como indício de instabilidade mental.  

Entretanto, o estudo sugere que ouvir vozes ou ser repentinamente assaltado por pensamentos que parecem não ter vindo de nossa “cabeça” é algo mais comum do que se poderia supor. "Muitas pessoas ouvem vozes, mas nunca sentiram a necessidade de pedir ajuda aos serviços de saúde mental", diz a pesquisadora Aylish Campbell, responsável pela pesquisa.

No século 19, foi feito o primeiro estudo que investiga a presença de alucinações em pessoas normais. 1684 pessoas de um grupo de 15 mil entrevistados relataram ter a vívida impressão de ver ou ser tocada por um ser vivo ou objeto inanimado, ou de ouvir uma voz, sem que essa sensação pudesse ser atribuída a alguma causa física externa.

Outros estudos chegaram a resultados parecidos. Em uma sondagem realizada na década de 80 pelos psicólogos americanos Mary Losch e T.B. Posey, que entrevistaram 375 estudantes. O resultado é que 39% deles disseram ouvir vozes. 

Para Campbell, o fato de ouvir vozes não é necessariamente um problema. “O que parece ser mais importante é como as pessoas interpretam estas vozes", diz. Ela observa que enquanto algumas pessoas se vêem perturbadas por vozes hostis, que criticam e perseguem, outras podem considerar a experiência como algo positivo.

Pessoas que sofreram algum trauma estariam mais predispostas a ouvir vozes. "Nosso trabalho de pesquisa mostrou que mais de 70% das pessoas que ouvem vozes podem ter tido um evento traumático que desencadeou as vozes", salienta o psiquiatra holandês Marius Romme, presidente de uma entidade britânica que ajuda pessoas que ouvem vozes.

Ao lado de Sandra Escher, jornalista de ciência, Romme levou a cabo um estudo desafiador que tratou de mostrar como são vistos os povos que ouvem vozes. Ao estudar comunidades que viam esse tipo de experiência como positiva, eles desenvolveram técnicas específicas para auxiliar pessoas que não sabem lidar com o problema.

Romme e Escher chegaram a publicar um guia voltado para especialistas que ensina a conviver e negociar como as vozes. Segundo a dupla, elas costumam ter uma mensagem metafórica. Analisando o que elas têm a dizer, profissionais da saúde mental podem ajudar seus pacientes a digerir melhor dolorosos traumas do passado.

O problema costuma surgir logo na infância. Um outro estudo feito por Romme mostrou que 21% das crianças ouviram vozes depois ter passado por abuso físico ou sexual; 37% após problemas na família, como o divórcio; e 25% por causa de mudança de escola e “bullying”.

“As vozes atrapalhavam as atividades escolares, oferecendo respostas erradas durante as provas,” diz Escher. “Algumas teciam comentários sobre amigos, enquanto outras faziam tanto barulho que impediam que as crianças se concentrassem”, conta. As vozes também diziam que os familiares seriam prejudicados se elas não as obedecessem.

Fonte: BBC Brasil