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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Quando o amor devora


Por Roberta de Medeiros

Há três anos, a técnica em prótese dentária, Kelly, 33 anos, encontrou um namorado de quem tenta se separar. O problema era que o alvo do seu amor a agredia física e verbalmente, além de abusar drogas e álcool. Sempre que o parceiro se distanciava para tocar em barzinhos sozinho, ela ficava com insônia. Por causa da tensão vivida por um amor conturbado, ela teve uma perda brusca de peso, ficava constantemente irritada e apresentava tensão muscular. No passado, Kelly conta ter sido controladora e ciumenta com outros homens, um tipo de postura que provoca brigas entre o casal. Sempre que se comporta assim, ela é agredida por seu namorado.

Esse é um caso de amor patológico. A pessoa embarca numa união simbiótica na tentativa de fugir da insuportável sensação de abandono. Ela dirige toda a sua atenção à pessoa amada, desdobrando-se em cuidados e gentilezas que nunca cessam porque ela simplesmente não sabe como controlar o impulso de agradar o parceiro. Numa postura obcecada, aquele que vive esse amor não consegue mudar de foco: seu objeto de desejo torna-se uma prioridade, enquanto os outros interesses ficam em segundo plano. 

Esse amor é vivido por pessoas de personalidade vulnerável, marcada pela baixa auto-estima e pelos sentimentos de rejeição e raiva. São pessoas que cresceram em famílias desajustadas, com pouca atenção e carinho dos pais. Por isso, tentam compensar esses anos de ausência com um amor possessivo. Elas acabam reproduzindo desarranjos do passado, escolhendo parceiros dependentes, e que logo irão se mostrar negligentes, inacessíveis e problemáticos. 

“A pessoa tem dificuldade de estabelecer limites entre ele e o parceiro, manifestada pela atitude constante de manter o outro sobre controle e uma busca incessante pela fusão com o parceiro. Os critérios diagnósticos para o amor patológico são semelhantes à dependência química”, diz a psicóloga Eglacy Cristina Sophia, pesquisadora e psicoterapeuta do Pro-AMITI (Ambulatório dos Múltiplos Transtornos do Impulso) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, que traçou o perfil das pessoas que sofrem de amor patológico em sua dissertação de mestrado, defendida em 2008.

Alguns pesquisadores acreditam que o amor patológico surge de acordo com o vínculo que a pessoa vivencia com mãe durante os primeiros anos de vida. Esse tipo de amor ocorreria quando a pessoa experimenta, na infância, uma relação insegura com a mãe, sofrendo a ansiedade de separação – um tipo de vínculo que os especialistas chamam de “ansioso ambivalente”. A atenção e proteção da mãe oscila: ela está presente para apoiar a criança em algumas situações, mas em outras não, criando ameaças de abandono usadas por ela como meio de controlar a criança.  Na fase adulta, ela agirá como se nunca soubesse se a pessoa amada fosse estar presente ou ausente. Ela verá as outras pessoas como mais importantes e sentirá medo da perda, por isso, precisarão ser mais vigilantes com seus parceiros.

Tudo indica que a disponibilidade emocional da mãe em situações estressantes, principalmente separações, é o meio pelo qual a criança aprende a perceber e a se relacionar com o mundo, além de estar ligada a fatores genéticos dela própria. “No primeiro ano de vida, a criança desenvolveria uma ‘lente’ a partir da qual a pessoa vai ver o mundo e a si própria, ou seja, um tipo de vínculo específico e que se transformaria numa maneira de se relacionar na vida adulta”, diz Eglacy.

Essa teoria foi chamada de teoria do apego. O primeiro de mais importante teste da teoria do apego foi publicado psiquiatra inglês John Bowlby, com a colaboradora Mary Ainsworth, em 1978, quando surgiu o primeiro sistema de classificação: o seguro, o rejeitador (ou ansioso com evitação) e o ansioso/ambivalente (ansioso resistente).

Box – Tipos de apego
No apego seguro, a mãe é sensível às necessidades da criança e promove confiança de que os pais estarão disponíveis, caso ela se depare com uma situação amedrontadora. A pessoa, então, se sente corajosa para explorar o mundo, estando apta a vivenciar o amor saudável durante a vida adulta.

No apego rejeitador, há constante rejeição por parte da mãe quando a mãe procurava obter proteção, gerando falta de confiança de que terá ajuda quando precisar. A pessoa passa a tentar viver sem amor e sem ajuda dos outros, ou seja, tornar-se emocionalmente auto-suficiente.

Para a pessoa com apego ansioso-ambivalente, os pais estiveram disponíveis em algumas situações e não em outras, levando o bebê a vivências de separação e ameaças de abandono, usadas pelo pai como meio de controle. Isso gera incerteza quanto à disponibilidade dos pais e, consequentemente, à ansiedade de separação no relacionamento adulto.

Fonte: Eglacy Cristina Sophia


Personalidade
"Nossa experiência clínica tem mostrado que a pessoa com amor patológico presta cuidados ao parceiro, mas com o intuito de obter afeto, sem respeitar as necessidades e interesses do outro, muitas vezes com atitude crítica quando não recebe o esperado, contrariamente ao conceito de cooperatividade que inclui ajuda desinteressada, tolerância e empatia social", diz Eglacy.

O seu estudo mostrou que pessoas que sofrem de amor patológico também têm dificuldade de estipular metas e de se manter focado nelas. “Isso ocorre porque o foco principal de suas vidas é manter o parceiro sob controle, porque necessita da sua atenção”, diz Eglacy. As principais estratégias utilizadas para controle são ligações telefônicas, seguir o parceiro, interrogar sobre as atividades dele, ser extremamente atencioso para com as necessidades dele e provocar ciúme. 

-Dependência
Há quem diga que o medo é a essência desse amor. A pessoa foge da sensação de isolamento tornando-se parte de outra. Alguns estudos mostram que as reações químicas observadas no cérebro daqueles que vivenciam o amor patológico seriam muito parecidas àquelas encontradas em pessoas que sofrem de transtorno obsessivo-compulsivo ou TOC, uma alteração de comportamento que faz com que a pessoa tenha pensamentos persistentes de medo e ansiedade. Para aliviar o mal-estar, ela costuma realizar tarefas ou gestos repetitivos, como se desdobrar em cuidados dirigidos à pessoa amada.   

A maioria dos pesquisadores, no entanto, defende que o amor patológico se assemelha à dependência por drogas ou álcool. A pessoa experimenta uma sensação de abstinência quando está longe da pessoa amada, gasta muito tempo e energia em cuidados, abandona atividades para cultivar esse amor, seu cuidado exagerado traz problemas para pessoa.  

“Embora alguns autores comparem os sintomas do amor patológico aos pensamentos repetitivos do TOC, nossos estudos têm demonstrado que as pessoas com amor patológico apresentam critérios semelhantes à dependência, como cuidar do parceiro mais do que gostaria, tentativas de diminuir esse comportamento são insatisfatórias e sinais e sintomas de abstinência quando há ameaça de abandono”, explica Eglacy. Ela lembra que a alta impulsividade encontrada no amor patológico se assemelha aos demais transtornos do impulso, como jogo patológico por exemplo.

-Descargas
Segundo Eglacy, o estado de exaltação desse amor provocaria fortes descargas de adrenalina, o que pode explicar o estado de constante euforia. As sensações experimentadas por quem experimenta esse tipo de amor são semelhantes à provocada por altas doses de anfetamina. Isso acontece porque o amor produz sua própria substância, a feniltilamina. Ela também estaria presente no chocolate, o que explica porque algumas pessoas que vivem uma perda gostam de se empanturrar de chocolate.

Um estudo verificou que, independente da cultura, a reação do cérebro dos apaixonados é a mesma: ao ver fotos do ser amado, se "acendem" algumas partes do núcleo caudado do cérebro, estrutura que regula a sensação de recompensa. São zonas ricas em dopamina, neurotransmissor que age no cérebro promovendo sensação de motivação e prazer, e endorfina, que desperta sensação de bem-estar e euforia . “O fenômeno é semelhante ao que ocorre com dependentes químicos e jogadores patológicos diante da droga de escolha, por exemplo.”, exemplifica a psicóloga.

Mas quem sofre mais de amor patológico? Foram identificadas divergências em várias culturas: na população americana, as mulheres com essas características superaram os homens, e entre os japoneses e russos, as atitudes de amor patológico prevaleceram no sexo masculino.

O problema é que as pessoas que vivem o amor patológico só buscam o ajuda profissional quando perdem o parceiro. E quando isso acontece, elas têm mente mudar de algo em seu comportamento com a esperança de agradar o parceiro na esperança de assim ele irá voltar. Nesse sentido, os programas de recuperação como o DASA (Dependentes de Amor e Sexo Anônimos) e o MADA (Mulheres que Amam Demais Anônimos) podem ajudar superar o problema.

-Transtornos psiquiátricos
Segundo a pesquisa realizada por Eglacy, 22% das pessoas com amor patológico não têm qualquer transtorno psiquiátrico, o que mostra que esse quadro pode surgir isoladamente. Outro achado é que o alto risco de suicídio identificado em 28% deles (o que mostra um perfil mais voltado para a auto-agressividade do que para a agressão ao sexo oposto). Também houve uma maior prevalência de depressão e de transtornos ansiosos. Apenas 8% apresentaram TOC. E, ao contrário do que se pensava, não existe uma correlação entre amor patológico e intensidade de amor (amor excessivo), mas sim a persistência num amor não que não dá certo e gera sofrimento.



-Quantidade de amor
A questão da quantidade de amor foi abordada pela psicoterapeuta de casais Robin Norwood no seu famoso best seller "Women who love too much", base do grupo de auto-ajuda Mulheres quem Amam Demais Anônimas. O livro relata a história de diversas mulheres atendidas na experiência clínica da psicoterapeuta que delineia o comportamento excessivo, progressivo de dar amor e atenção ao parceiro, o qual levaria a mulher a se tornar viciada e dependente de um homem distante e negligente.

Outro livro que coloca o amor patológico como uma dependência comportamental é “Love and Addiction”, de Stanton Peele. Ele definiu o conceito do amor como uma "experiência viciadora" que seria absorvida pela mente da pessoa, que assim como acontece com os analgésicos, aliviaria a sensação de ansiedade e dor.

BOX

-Homens que amam demais

O empresário S.E, 50 anos, chefe de família, tinha um relacionamento estável com sua mulher, quando embarcou numa acalorada paixão por uma garota de programa de 25 anos. Refém de uma paixão avassaladora, ele achou que poderia resgatá-la da prostituição. Começou a empenhar todos os recursos pessoais para atrair a atenção da amada. Ela recusou todas as investidas. Quanto mais ela o rejeitava, mais ele a desejava. Homem bem sucedido, ele perdeu tudo: trabalho, casa e família, por causa desse amor mal resolvido - o drama do empresário é um dos casos narrado pela escritora Tatiana Ades, em seu livro “Hades – Homens que Amam Demais”, lançado pela Editora Record. O nome do livro é uma referência ao mito de Hades, o sedutor deus grego, que detinha todos os encantamentos, até que se apaixonou por uma deusa que não o desejava. Ele, então, a sequestrou, provocando um grande caos na Terra, por causa de um amor não correspondido.

“O livro traz narrativas como a de Hades. A partir da mitologia grega, percebemos que desde épocas mais remotas já existiam histórias de homens que amavam demais, apesar de nossa sociedade não reconhecer a fragilidade que existe no universo masculino”, explica a autora. “Alguns homens têm a mulher que querem, mas quando não correspondidos, eles sofrem demais. São homens que se envolvem em relações destrutivas e problemáticas sem conseguir romper o círculo vicioso”, acrescenta.

Tatiana recolheu narrativas de dez homens paulistanos que sofrem de amor patológico. Ela percebeu que eles sofriam dos mesmos sintomas das mulheres que frequentavam a sociedade anônima MADA. “São pessoas que viveram em lares desajustados. Na maioria dos casos, o homem foi criado por uma mãe muito ausente ou tinha uma relação simbiótica com ela. O sujeito, então, reproduz a relação doentia com a figura materna”, analisa.

-As cores do amor
O primeiro grande estudo sobre amor foi feito pelo sociólogo John Alan Lee, da Universidade de Toronto, e publicado em “The Colors of Love”. Ele realizou 120 entrevistas em cidades canadenses e inglesas em que os participantes descreviam o amor, comprovando que haveria vários estilos de amor. Então ele colocou os vários estilos em rodas da cor e comparou o mecanismo humano da visão de cores com a capacidade de amor. Para Lee, assim como os olhos que só têm receptores para três cores, também temos três estilos primários.

Outra teoria que tenta explicar o amor patológico é a Teoria Triangular do Amor, formulada pelo psicólogo Robert Sternberg, da Universidade de Yale. Segundo essa teoria, o amor se desdobraria em três elementos: intimidade, paixão e decisão/compromisso. Ele identificou sete diferentes tipos de amor: amizade, paixão, amor vazio, amor romântico, amor companheiro, amor instintivo, amor verdadeiro.

Diagnóstico diferencial

Amor saudável
Erotomania
Ciúme patológico
Transtorno de personalidade borderline
Co-dependência
Transtorno obessivo-compulsivo

Critérios para diagnóstico de amor patológico:

1) Sinais e sintomas de abstinência - quando o parceiro está distante (física ou emocionalmente) ou perante ameaça de abandono, podem ocorrer: insônia, taquicardia, tensão muscular, alternando períodos de letargia e intensa atividade.

2) O ato de cuidar do parceiro ocorre em maior quantidade do que o indivíduo gostaria - o indivíduo costuma se queixar de manifestar atenção ao parceiro com maior freqüência ou período mais longo do que pretendia de início.

3) Atitudes para reduzir ou controlar o comportamento patológico são mal-sucedidas - em geral, já ocorreram tentativas frustradas de diminuir ou interromper a atenção despendida ao companheiro.

4) É despendido muito tempo para controlar as atividades do parceiro - a maior parte da energia e do tempo do indivíduo são gastos com atitudes e pensamentos para manter o parceiro sob controle.

5) Abandono de interesses e atividades antes valorizadas - como o indivíduo passa a viver em função dos interesses do parceiro, as atividades propiciadoras da realização pessoal e profissional são deixadas, como cuidado com filhos, atividades profissionais e convívio com colegas.

6) O amor patológico é mantido, apesar dos problemas pessoais e familiares - mesmo consciente dos danos resultantes desse comportamento para sua qualidade de vida, persiste a queixa de não conseguir controlar tal conduta.

Fonte: “Amor Patológico: Um Novo Transtorno Psiquiátrico”, de Eglacy Cristina Sophia, Hermano Tavares e Mônica Zilberman

Rejeição

Ser rejeitado por um grande amor é uma das experiências mais dolorosas da experiência humana. A antropóloga Helen Fisher, da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos, e sua equipe descobriram, a partir de escaneamento do cérebro a partir de ressonância magnética funcional que há uma área do cérebro que fica mais ativa quando os voluntários (rejeitados por seus parceiros) observavam a imagem da pessoa amada, o núcleo accubens, relacionado à sensação de recompensa. Há ativação também de outras áreas ligadas ao pensamento obsessivo-compulsivo e raiva. 

Reportagem publicada na revista Psique

EMT regulariza funcionamento cerebral



Roberta de Medeiros

O Conselho Federal de Medicina aprovou o uso clínico terapia conhecida como estimulação magnética transcraniana (EMT), que usa pulsos magnéticos para regularizar o funcionamento cerebral de pessoas com transtorno mental. A técnica consiste na liberação de uma certa quantidade de energia na área do cérebro afetada pela doença. No paciente sentado ou deitado, são colocados eletrodos, envolvidos em esponjas com soro fisiológico na região frontal da cabeça. O seu uso clínico deve ser restrito ao tratamento de depressão, transtorno bipolar, alucinações auditivas, esquizofrenia e planejamento neuro-cirúrgico.
 
No Brasil, a terapia vem sendo empregada apenas em pesquisas. Países como Estados Unidos, Canadá, Japão, Nova Zelândia e Egito, além de praticamente toda União Européia, já haviam aderido ao recurso. Os estudos sobre a estimulação magnética começaram nos anos 90 e tudo indica que será cada vez mais empregada. Há pesquisas que sinalizam os efeitos benéficos da técnica no tratamento de Parkinson, distonia, esclerose, epilepsia, enxaqueca, membro fantasma, insônia, dislexia, esquizofrenia, transtorno bipolar, síndrome do pânico e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
 
O método surge como alento para os pacientes com problemas neurológicos e psiquiátricos resistentes aos medicamentos. Além de ser uma maneira de evitar os efeitos colaterais dos remédios usados no tratamento dessas doenças. Os antidepressivos, por exemplo, podem causar disfunção erétil, ganho de peso, sonolência, náuseas e vômitos, diarreia e prisão de ventre. Estudos mostram que cerca da metade dos pacientes abandonam o tratamento em um ano devido aos efeitos colaterais. “Além disso, um em cada três pacientes continua deprimido mesmo depois de tomar adequadamente mais de quatro antidepressivos”, diz o psiquiatra André Russowsky Brunoni, do Hospital Universitário da USP.
 
O primeiro estudo brasileiro a mostrar que o método capaz de acelerar o tratamento contra depressão foi feito pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. A terapia é capaz de substituir a eletroconvulsoterapia (ECT), usada para ativar pontos do cérebro com a partir da corrente elétrica e indicada em casos de distúrbios mentais graves. A ECT, porém, causa efeitos indesejados, como dor, aumento da pressão arterial e da freqüência cardíaca.  Por isso, exige cuidados que poderiam ser dispensados com a estimulação magnética.

-Efeitos colaterais

Segundo o psiquiatra Marco Antônio Marcolin, coordenador do grupo de Estimulação Magnética Transcraniana, do Hospital das Clínicas da USP, a principal vantagem da estimulação magnética é que a terapia não apresenta efeitos colaterais. “Os pulsos magnéticos são aplicados sobre a cabeça do paciente atravessam o crânio sem causar dor. A técnica é indolor, não requer a aplicação de anestesia, não causa convulsão e melhora a memória”, diz.

O estudo envolveu 45 pacientes com depressão severa que cujos sintomas resistiram ao tratamento com remédio. Eles foram divididos em dois grupos: um recebeu sessões de estimulação magnética e o outro de ECT. Enquanto parte dos pacientes tomava antidepressivo, uma outra recebia placebo, uma espécie de remédio falso – porém, sem o conhecimento dos avaliadores. O resultado foi que todas as pessoas submetidas à estimulação magnética tiveram a ação do medicamento acelerada pela terapia. “O antidepressivo passou a surtir efeito logo na primeira semana de uso, enquanto o período normal de resposta do organismo seria de 3 a 8 semanas, em média”, explica Marcolin,

Os pulsos magnéticos foram aplicados em uma região do cérebro no lado esquerdo da cabeça, ao lado da testa e acima dos olhos, onde fica o dorso-lateral pré-frontal esquerdo. A região, do tamanho de uma moeda, está ligada ao raciocínio lógico e à memória de curto prazo. Estudos revelam que pessoas com depressão têm menor atividade nessa área. A terapia é aplicada com o uso de uma bobina pequena que recebe uma corrente elétrica alternada que é colocada sobre o crânio, na região do córtex. A mudança constante de orientação da corrente é capaz de gerar um campo magnético que atravessa alguns materiais, como a pele e os ossos. O tratamento é feito a partir de séries repetidas de estímulos em sessões que podem durar até 30 minutos.

-Vantagem

A vantagem da técnica é que os pulsos magnéticos podem ser focalizados em pequenas áreas do córtex, dependendo da geometria e da forma da bobina. Quando atingem o córtex motor, eles podem produzir uma resposta muscular. Mas a estimulação pode ser dirigida a várias regiões do córtex. Os resultados irão depender das funções envolvidas com a área escolhida, produzindo também reações cognitivas e emocionais. Exames de neuroimagem determinam qual ponto do cérebro precisa ser estimulado.

Para Marcolin, a estimulação magnética terá um importante papel no tratamento de dores crônicas, distúrbios de memória, e dependência de drogas. Há também indícios de que o método ofereça bons resultados no controle de alucinações auditivas, sintoma comum em esquizofrenia, e transtorno bipolar. “A terapia ainda pode ser usada no mapeamento do cérebro com o campo magnético para retirada de tumores”, acrescenta.

O psiquiatra brasileiro Moacyr Rosa, professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, lembra que a estimulação magnética não tem a intenção de provocar convulsões, como no ECT. “Habitualmente a estimulação magnética transcraniana não induz uma convulsão, isto é, o disparo repetido do próprio cérebro depois da estimulação inicial. Por isso, os pacientes recebem o tratamento acordados e sentados confortavelmente, sem nenhum incômodo”, afirma. Ele observa, porém, que existe um risco, a de convulsão acidental. Isso pode acontecer quando o paciente tem epilepsia ou faça uso de certos medicamentos.

-SUS
O Instituto de Psiquiatria da USP pretende pedir a inclusão da terapia entre os procedimentos pagos pelo Sistema Único de Saúde para tratamento gratuito de depressão. Seria uma alternativa para pacientes que teriam de desembolsar cerca de R$ 300,00 por cada uma das sessões em clínicas particulares. São necessárias 20 sessões para o tratamento da depressão.


-Décifit Cognitivo
Outro estudo da USP mostrou o benefício do tratamento para pacientes com déficit cognitivo. Foram estudados homens e mulheres com idade entre 60 e 74 anos e mais de quatro anos de escolaridade, que se queixavam de ter uma piora  da memória. Os participantes passaram por uma triagem para avaliação do estado cognitivo. Depois de 10 sessões de estimulação eles foram novamente avaliados por testes cognitivos.

Os problemas de memória podem estar associados a doenças degenerativas, embora isso não seja uma regra. Outras causas são a ansiedade e depressão, metamemória (pensamentos e crenças pessoais sobre a memória) e doenças neurológicas, como história de traumatismo craniano e acidente vascular cerebral. Outras condições que podem ocasionar déficit de memória é história de cirurgia cardíaca, desnutrição, déficit da atenção, efeitos colaterais de medicamentos  e deficiência de vitaminas do complexo B (tiamina, ácido fólico e vitamina B12).

A psiquiatra Hellen Marra, que coordena o estudo, diz que há um período de transição entre o envelhecimento normal e o diagnóstico de comprometimento cognitivo leve. Pessoas com comprometimentos leves da cognição podem progredir para quadros demenciais de forma mais rápida que as pessoas saudáveis. “É reconhecido que a maior proporção desses indivíduos continua estável ou mesmo reverte para a normalidade. É de grande importância a identificação desta ‘zona cinzenta’ em idosos, e se as queixas de memória indicam mudanças em relação ao desempenho prévio”, explica.

Hoje, há poucos recursos para o tratamento do déficit cognitivo. Embora não haja tratamento específico, é imprescindível o controle dos fatores de risco para doença cardiovascular, envolvendo o estilo de vida (atividade física e dieta) e uso adequados das medicações para controle de hipertensão, dislipidemia e diabetes.“As evidências de benefício com o uso de anti inflamatórios, vitaminas C e E, gingko biloba, selegilina são insuficientes”, alerta Hellen.

“Os resultados positivos estudo nos faz pensar na possibilidade de empregar a a terapia em outros distúrbios de memória, como em pacientes com Alzheimer. Há na literatura estudos preliminares apontando benefício, inclusive associando estimulação magnética ao treino cognitivo”, diz Hellen.

-Depressão em gestantes
O Instituto de Psiquiatria da USP também pretende avaliar a eficácia do tratamento em gestantes que sofrem de depressão. Serão selecionados dois grupos de 20 gestantes, um deles receberá placebo e o outro, estimulação por ondas magnéticas. Serão 20 sessões por um mês. Normalmente, as gestantes que sofrem de depressão são medicadas com antidepressivo, sedativos e estabilizadores de humor, dependendo do quadro.

Os especialistas, entretanto, alertam para a possibilidade da medicação causar problemas de malformação do feto. “É preciso avaliar o risco benefício do uso da medicação no caso de gestantes. Ainda são escassos os estudos que demonstrem que esses medicamentos causem prejuízo na formação do bebê,  quase não há estudos controlados nesse grupo”, observa diz a psiquiatra Renata Sciorilli Camacho, responsável pela pesquisa.

“A estimulação é eficaz, porque é bem localizada, dirige-se diretamente a uma região específica do cérebro e não prejudica o feto. Além disso, o feto não estaria sendo exposto aos riscos existentes no uso da medicação”, explica. Há uma melhora cognitiva, que normalmente está prejudicada nos pacientes que sofrem de depressão. “Eles geralmente têm o raciocínio mais lento”, diz a psiquiatra.

A gestão na gravidez é algo que preocupa especialistas. As gestantes podem ter cuidados precários durante o pré-natal, com prejuízo para gravidez, redução do peso do feto, além do abuso de drogas, álcool e tabagismo. A depressão atinge cerca de 13% das gestantes. Nos Estados Unidos, cerca de 500.000 gestações são complicadas anualmente devido ao quadro depressivo das mães.

Sintomas comuns são tristeza excessiva e às vezes sem causa aparente, desânimo, cansaço, falta de vontade para as atividades diárias, choro fácil, insônia, alterações do apetite. “As gestantes que apresentam estes sintomas devem procurar ajuda médica, pois além do prejuízo nos cuidados pessoais e pré-natais, apresentam uma chance maior de desenvolverem a depressão pós-parto”, alerta a psiquiatra.

-Dislexia

Tudo em indica que a terapia também apresente bons resultados em crianças com dislexia, um distúrbio neurobiológico de funcionamento do cérebro que afeta a leitura, a escrita e a soletração. É o que revela um estudo da USP em parceria com a Unicamp. Foram estudadas crianças de 7 a 12 anos. Elas tiveram o cérebro mapeado por exames de neuroimagem, que mostraram uma falha de ativação de uma determinada região do cérebro. “Em uma única sessão houve melhora no processamento de leitura e linguagem”, comemora Marcolin. Esta foi a primeira pesquisa do gênero feita no mundo. Seus resultados foram mostrados no Congresso de Paris em 2010. A próxima  etapa do estudo será ampliar o número de crianças estudadas.

-Efeitos adversos

O receio dos pesquisadores é que a estimulação possa causar algum prejuízo à função cognitiva. O uso de baterias neuropsicológicas nos estudos de estimulação magnética em pacientes com depressão, porém, tem fornecido dados valiosos quanto à segurança dessa técnica. Esses estudos mostram que essa terapia é segura e pode, inclusive, aumentar a performance cognitiva dos pacientes submetidos ao tratamento com estimulação.

Artigo publicado na revista Psique